23 dez 2011 - 3h43

“Ei, ei, ei, o Souza é nosso rei”

Ele ainda lembra do grito com que a torcida atleticana o saudava sempre que entrava em campo. Souza jogou apenas um semestre no Atlético, mas guarda grandes recordações de sua passagem pelo Rubro-Negro. “Eu tenho um grande carinho pelo Atlético. Hoje eu torço pelo América, mas torço também pelo Atlético”, conta ele, colocando o Furacão ao lado do América, seu clube de infância.

Não era para menos. Com a camisa do Atlético, Souza marcou gols, deu lindos passes e conquistou o importante título do Campeonato Brasileiro de 2001. Foi sempre muito bem tratado pela torcida, dirigentes, funcionários e colegas. Suas melhores recordações, aliás, são as amizades que fez naquele tempo. “Era uma família”, resume.

Atualmente morando em Natal e já aposentado, Souza lembra com detalhes da campanha de 2001. Em entrevista por telefone à Furacao.com, descreveu com riqueza de detalhes lances, gols, passagens e partidas daquele título. Contou que sempre foi um dos que confiaram no título desde os primeiros jogos. Lembrou dos momentos difíceis de treino nos dias frios de Curitiba. Emocionou-se ao falar da corrida contra o tempo para se recuperar de uma lesão a tempo de ajudar o time na reta final.

Valeu a pena. Souza foi um dos principais jogadores do Campeonato Brasileiro 2001. Alternou a posição de titular com Adriano e foi responsável por armar a equipe em seus melhores momentos na competição. De quebra, foi decisivo na primeira partida contra o São Caetano, na Arena da Baixada.

Confira abaixo as memórias do “nosso rei”:

Qual é a sua melhor memória da conquista do título do Campeonato Brasileiro de 2001?
Ah, o grupo. O elenco era uma família e aí foi o ponto fundamental. Ficou para a memória a lembrança da amizade daqueles jogadores que participaram daquele elenco. Era uma família. A gente passa muito tempo sem se falar, mas quando se encontra é aquela festa, aquela satisfação.

Você foi o único jogador contratado que chegou com status de estrela. Você lembra como foi a negociação para sua contratação?
Lembro. Eu estava querendo uma mudança mesmo. Fazia algum tempo que eu estava em São Paulo, jogando por Corinthians e São Paulo, e foi muito importante para mim. Naquele momento, o Atlético não era a potência que é hoje. Era um time de mediano para pequeno. Hoje, não. Apesar de viver uma situação complicada, Atlético é um time grande hoje. Então, fui com uma expectativa muito grande. Todo mundo falando: “Pô, sair do São Paulo e ir para um clube teoricamente menor naquela época…”. Eu cheguei com esse status, mas com humildade e os jogadores me receberam muito bem. Não tive nenhum tipo de rejeição. Eu me coloquei igual a todos e isso foi o fundamental, como eu já coloquei. A estrela daquele time era o grupo. A gente fez com que o grupo pensasse dessa forma. Assim que cheguei, com poucos dias já falei para alguns amigos que dificilmente o Atlético não seria campeão, devido ao time que tinha, tanto na parte técnica quanto o caráter dos jogadores.

 

Você começou o campeonato no banco do Adriano, mas ao longo da competição ganhou a posição. Como foi essa disputa entre vocês pela vaga?
Para você ver a qualidade e o caráter dos jogadores, como eu sempre estou frisando. Quando eu cheguei, eu não estava em forma. Estava voltando de férias e não estava bem fisicamente. Aí fiquei um tempo treinando separado e o Adriano, como era ídolo, continuou jogando. Quando eu entrei em forma, comecei a entrar nos jogos e ganhei a posição. E ganhei o respeito e o carinho da torcida. Dificilmente colocavam eu e o Adriano para jogar, mas cabíamos nós dois. As partidas que nós jogamos, jogamos muito bem. Teve uma partida contra a Ponte Preta que nós jogamos muito bem, daí viram que não tinha nada a ver, dependia do sistema, podia jogar como atacante ou vindo de trás. Foi muito legal. Aí entrei em forma, ele foi para o banco numa boa, nunca reclamou, treinava e sempre que entrava nos ajudava. Quando eu machuquei na reta final, que fiquei 45 dias tratando intensamente, de madrugada – e ainda consegui jogar 20 minutos do primeiro jogo da final -, o Adriano foi muito bem. Na final, eu entrei com o Adriano em campo, inclusive dei o passe para ele onde ganhou o pênalti, então foi muito legal. Era um cara excepcional, como todo o grupo. Tinha uma frase que a gente sempre dizia: quem entrar em campo vai ter de correr até não suportar mais; e se alguém não suportar mais, quem está fora está louco para entrar. Então, naquele time até quem ficava no banco era privilegiado, porque era uma determinação e uma qualidade técnica muito grande.

Quais as recordações que você tem da torcida do Atlético e de jogar na Arena?
Foi espetacular. Eu lembro do coro deles até hoje: “Ei, ei, ei, o Souza é nosso rei”. Foi uma coisa que marcou muito, e foi um dos melhores momentos na minha vida. Eu tenho o DVD aqui e sempre estou assistindo. Eu sinto muita saudade. Foi um momento brilhante, para todos os jogadores.

Em determinado momento do campeonato, o Mário Sérgio chegou a pedir demissão, depois de um empate contra o Santos. Comentou-se que um grupo de jogadores, formado por você, Kléber, Nem e Flávio, o convenceu a voltar atrás. Houve mesmo essa conversa? Eu lembro disso. Ele pediu para ir embora e a gente estava muito bem. A gente chegou num momento, principalmente no começo da competição, que a gente massacrava a outra equipe, ganhava o meio-campo, chutava, a bola batia na trave, e num lance a gente tomava um gol. Tivemos alguns resultados adversos, mas éramos muito superiores aos adversários. Então, criou aquele problema e o Mário pediu para ir embora. A gente reuniu os jogadores e perguntamos o que eles achavam. Aí fomos lá pedir para ele ficar, representando todo o grupo. Não foi só iniciativa dos quatro ou cinco que foram. A gente reuniu e perguntou o que a maioria queria. Fomos representando o grupo. Infelizmente, ele não ficou, veio o Geninho e a gente deu aquela arrancada.

Na verdade, o Mário Sérgio voltou atrás e decidiu ficar, mas depois disso o Atlético sofreu duas derrotas e aí ele saiu. Ele chegou a dizer que o motivo da saída dele foi que os jogadores estavam abusando das festas e até chegou a ser comentada uma célebre frase que ele teria dito: “Ou o Atlético acaba com a noite ou a noite acaba com o Atlético”. O que tem de verdade nessa história?
Olha, nisso aí ele foi muito infeliz. Foi muito infeliz porque é o que eu falei: a gente estava muito bem fisicamente, a gente atropelava os times durante a partida, só que futebol às vezes você é superior e não consegue fazer o gol. E foi o que aconteceu naquele momento. Não era porque o time estava jogando mal ou porque algum jogador estava deixando de render. A resposta veio depois, não precisou ninguém falar nada e a resposta veio dentro de campo. Continuamos jogando da mesma forma e as coisas começaram a mudar. Então, acho que ele foi infeliz nesta colocação e a gente mostrou dentro de campo que não era isso. O time cresceu jogando da mesma forma.

Mas ele chegou a falar para o grupo sobre essa questão do abuso das festas ou só comentou depois para a imprensa?
Não, a gente não ficou sabendo de nada, não. Ficou sabendo de algumas coisas através da imprensa. A gente foi lá no apartamento onde ele morava e ele alegou outras coisas. Aí ele ficou. E depois que ele foi demitido, ninguém mais conversou com ele.

Você fez seis gols na campanha do Brasileirão 2001, sendo três deles em cobranças de falta. Você treinava muito?
Eu treinava bastante. Eu e o Kleberson treinávamos muitas cobranças de faltas, pênaltis, bola parada. Foi um ponto forte nosso.

Qual foi o seu gol mais bonito?
De gol de falta, acho que foi contra o Botafogo no Maracanã e também contra o América Mineiro, se não me engano.

Qual foi o momento do campeonato em que você particularmente acreditou que o time podia mais do que fazer uma boa campanha chegar efetivamente ao título?
Como eu falei, logo no começo eu já falei para algumas pessoas, pelo ambiente que tinha: “Rapaz, nós vamos chegar”. E aquela coisa foi aumentando, a amizade foi aumentando, a confiança veio chegando com os resultados e aí a gente começou a acreditar. Quando chegamos nas finais, chegamos muito fortes mesmo. Aí todo mundo começou a acreditar que dava para chegar.

Depois daquele jogo histórico de 6 a 3 contra o Bahia, você ficou mais de 40 dias parado e só voltou a jogar na final. Como foi essa lesão e como foi ficar de fora em uma parte tão importante do campeonato?
Fomos eu e o Gustavo. O Gustavo também sentiu uma contusão e a gente ia fazer tratamento juntos. Às 5 horas da manhã a gente ia fazer acupuntura, fazia três períodos de tratamento no CT. A gente passou o maior tempo tratando dessa forma. O prazer era tão grande, a vontade era tão grande de jogar que a gente se dedicava muito. E felizmente eu consegui jogar 20 minutos. O Gustavo conseguiu jogar mais, porque a minha contusão era mais grave, foi de 4 a 5cm que abriu a coxa. A gente fez um sacrifício muito grande, querendo jogar, mas sabia também que quem entrasse daria conta do recado, porque naquele momento todo mundo estava preparado, e com um só objetivo, então dava uma certa tranquilidade. Quando eu saí, o Adriano entrou muito bem. Às vezes saíam Kléber, Alex Mineiro e entravam Ilan, Adauto, então a gente sabia que quem entrasse ia dar conta do recado.

Como foi a preparação psicológica do grupo para disputar aquela final? O Geninho chegou a afirmar na época: “Todo jogador que tem experiência é um referencial dentro do campo. O Souza o Alex também serão fundamentais para conquistar um bom resultado em casa, disse Geninho”. Você teve um papel mais forte na hora de conversar com os colegas?
Olha, a gente estava numa confiança tão grande, a gente estava num momento tão importante e de uma confiança, com todo respeito aos adversários, que a gente jogava mesmo por prazer. A gente estava muito confiante, então dificilmente aquele título iria escapar da gente. Como falei, bem antes o pessoal não acreditava, mas as coisas foram acontecendo, a gente conseguiu vários resultados que não esperava, e aí o grupo se fortaleceu. A gente chegou muito forte, mas muito forte mesmo, nas finais. Com todo respeito aos adversários, mas era muito difícil ganhar da gente naquele momento. A gente sentia no ambiente, nos treinamentos, na amizade, nos jogos, estava no olho e na face de cada um.

Quais as suas lembranças daquele primeiro jogo da final contra o São Caetano?
Isso foi fruto de um trabalho, de longa temporada. Cheguei do São Paulo, comecei a treinar só eu e o Riva, que era o preparador físico à época, e também o auxiliar que agora eu não me recordo o nome, muito gente boa…

Eudes?
Eudes! O cara era muito gente boa. Eu cheguei e estava um frio, mas estava um frio em Curitiba, uma chuva, um vento, e eu dando volta no campo, ralando, treinando sozinho para entrar em forma. Não sei quantas vezes isso aconteceu. Então, isso foi fruto de um trabalho que a gente começou a plantar muito cedo. Por mais que eu não estivesse na minha forma 100%, o combinado era jogar 20 minutos e graças a Deus deu certo, naquele momento que entrei eu consegui ajudar. Foi um momento de consagração para mim. Agora, o que eu mais sofri não foi nem tanto esse jogo, que aí eu já estava no banco. O sofrimento mesmo foi o jogo contra o Fluminense e o jogo contra o São Paulo. Pô, você assistir a jogos daqueles no camarote, cara, olha, que jogos! Aqueles ali foram dois jogos que ficaram na história mesmo.

É mais fácil estar em campo do que na arquibancada?
É muito melhor. Os jogos contra São Paulo e Fluminense foram dois jogões. Eu estava lá fora, estava me tratando da contusão. Cara, eu sofri demais. Olha, foi duro…

O seu passe de calcanhar para o terceiro gol do Atlético contra o São Caetano é uma das imagens emblemáticas do título. Fale um pouco sobre essa jogada.
Eu me lembro bem desse lance. Quando eu vi o Alex dominando a bola, nós invertemos, né? Eu estava na função dele e ele fez a função de meia. Então, quando o vi dominando a bola, procurei o espaço. Quando procurei o espaço, ele tocou e sabia que ia receber de lado. Quando ele tocou, eu só deixei de lado e ele, com habilidade incrível e velocidade, já foi tirando dos zagueiros e aí ficou cara a cara com o Silvio e aí, craque que é, matador que é, faz gol mesmo, não teve dificuldade. Então, foi uma bela jogada, foi realmente muito bonita e fundamental naquele momento.

Como foi o sentimento do grupo depois desse primeiro jogo? Havia uma sensação de que o título estava ganho?
Não, a gente tinha uma confiança muito grande, mas acima de tudo, respeito. A gente não era aquele time que entrava em campo pensando em entrar tocando. Não, a gente corria, era concentrado do começo ao fim. A gente não tinha muita palavra, não tinha muita preparação psicológica. A gente já sabia o que queria. Tinha uma frase, que eu acho que até já comentei antes, que a gente falava quando chegava na boca do túnel: “Amigo, vamos correr até não aguentar mais. Quem não suportar mais, tem uns caras loucos lá no banco para entrar”. Então, era dessa forma. A gente pegava a tática que o Geninho dava e colocava a técnica. Não tinha essa de já ganhou, mas a gente tinha uma confiança muito grande.

O que você lembra da comemoração do título? Você veio para Curitiba?
Não, infelizmente não. Eu não participei de nenhuma festa, eu vim embora para Natal e não participei. Eu me arrependo muito, era para ter ido porque aquele momento era especial, mas já fazia muito tempo que eu estava longe da minha família e aí eu vim embora. Infelizmente, não participei.

Depois do fim do empréstimo, o Atlético tentou renovar o seu contrato?
Houve o interesse do Atlético, interesse meu, o que eu mais queria era continuar em Curitiba e no Atlético, mas eu ainda tinha contrato com o São Paulo. Infelizmente não deu para voltar e disputar a Libertadores. Aí eu continuei em São Paulo e quando terminou o meu contrato eu fui para o Atlético Mineiro. Mas a minha vontade era de permanecer. O São Paulo não liberou.

Você jogou em vários grandes clubes e conquistou títulos importantes. Jogou também no América, que é o seu time de coração. Pelo Atlético, foram apenas seis meses. Qual a importância do Atlético e desse título de 2001 na sua carreira e na sua vida? De uma importância muito grande. Eu tenho um grande carinho pelo Atlético. Hoje eu torço pelo América, mas torço também pelo Atlético. Torci para não cair, tenho um grande carinho, sempre que tem jogo do Atlético estou assistindo. Eu virei assim tipo um torcedor também. É um time que eu admiro muito e que tem tudo para crescer e fazer grandes campanhas. Hoje o Atlético é tão importante para mim quanto o Corinthians e o América, porque foram momentos de muita felicidade, de carinho do torcedor. Eu lembro de entrar na Arena e o coro do torcedor “Ei, ei, ei, o Souza é nosso rei”. Então, ficou muito marcado para mim. Torço muito pelo Atlético e que o Atlético venha a se dar bem.

Tem algum fato curioso ou momento marcante daquele ano de 2001 que você se recorde e ache interessante compartilhar com a torcida, nesse momento comemorativo de dez anos?
No momento eu não me recordo, mas aquele grupo tinha muita história engraçada. Eu lembro que a gente chegava uma hora antes do treino começar para ficar conversando, contando história. Tinha uns caras muito engraçados ali.



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