Salada colorida
O atento Rafael Lemos foi preciso, uma vez mais, ao comentar, em coluna publicada no Fala (A vergonha é verde), sobre a partida entre o mais vitorioso do mundo e o LEC, vulgo Tubarão. Não há o que modificar no seu texto. Faço, apenas, um acréscimo, que tem a ver com a chamada crônica esportiva local. Assisti a um pedaço do segundo tempo do jogo, pela TV aberta. Durante a transmissão, o comentarista escalado, ex-repórter de campo que continua a agir como repórter de campo, ou como diretor de departamento esportivo, ou como qualquer coisa menos comentarista, em nenhum momento citou a truculência dos onze homens de preto que defendiam o assim chamado verdão (????). E muito menos a frouxidão, a falta de critério, o desequilíbrio interpretativo sempre a favor dos verdes (ou brancos? ou pretos?) do homem de amarelo, ocasionalmente com um apito na boca. Essa conduta omissiva incentivou a botinada, promoveu a impunidade e sustentou o resultado final, de empate.
Resultado que poderia ter sido outro, desde que a regra do futebol fosse minimamente respeitada. Refiro-me ao lance do pênalti a favor do Tubarão, aos 44 minutos do segundo tempo, sobre o qual já discorreu o brilhante e sóbrio Rafael. Que o homem de amarelo estava torcendo pelos homens de preto (ou verde? ou branco?), não restava dúvida. Até os mais leigos e desatentos espectadores seriam capazes de enxergar essa realidade evidente. O impressionante, constrangedor mesmo, foi perceber o susto da dupla televisiva diante da realidade insofismável da falta máxima. E da cara-de-pau de Sua Excelência, o homem de amarelo, que fez que não viu nada. Pois o tal comentarista (uso aspas, insistentemente, posto que não enxergo nele um comentarista sem aspas), depois de ver a repetição do lance, depois de ter diante dos seus olhos a confirmação da escandalosa falta cometida pelo goleiro branco (ou verde? ou preto?), lançou a pérola: tem juiz que marca pênalti num lance assim. No que foi, de pronto, apoiado por seu escudeiro de transmissão.
Na minha simplicidade de torcedor, então, fiquei a pensar: ele tem razão. Eu já vi juiz que não marca pênalti num lance assim. E juiz que não marca pênalti num lance assim, em que um goleiro atropela ostensivamente o atacante que vem na sua direção, costuma receber da massa torcedora-consumidora a alcunha de ladrão, gaveteiro e sem-vergonha, para não citar outras expressões menos delicadas. Mas, segundo a crônica pasteurizada da nossa triste província, tudo se resumiu a um pode-ser-pode-não-ser pretensamente neutro. Nem arriscaria dizer que conclusões desse tipo, sem cor e sem tempero, revelam preferência pelo clube preto-branco-verde. Talvez não seja isso que esteja em questão. Talvez seja, apenas, incapacidade de expressar o que acontece, de ter opinião, de falar sobre coisas desagradáveis, tão desagradáveis como o histórico do mais vitorioso.
Seja lá o que for, a transmissão da TV aberta, na noite de uma quarta-feira de verão escaldante, me deixou vermelho de vergonha alheia.