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26 abr 2012 - 8h48

O velho e a flor

A partir do início do século XX, todo ano, entre agosto e dezembro, milhões de turistas invadiam a Grande Cidade só para ver sua planície completamente tomada por dezenas de espécies vegetais, tomada por flores que formavam um tapete multicolorido a se arrastar por vários quilômetros quadrados e avançar também sobre boa parte das colinas que delimitavam as fronteiras da Grande Cidade, isolando-a do mundo geral, cinza e sem graça.

Não havia no mundo moderno espetáculo que pudesse fazer frente à planície florida da Grande Cidade, coberta por espécies vindas – não se sabia como – dos cinco continentes conhecidos, espécies vindas de todos os cantos do mundo, herança dos tempos em que o mundo não tinha cantos. Hipóteses havia as mais diversas, mas, para o fenômeno, explicação racional não existia e, no fundo, nem era preciso haver: a beleza requer contemplação, as explicações são dispensáveis diante da maior beleza.

Alguns sustentavam que as flores eram resultado de sementes trazidas por aves migratórias. Havia quem defendesse que tinham sido conduzidas por ventos de correntes confusas e indefinidas. Outros advogavam que eram a eclosão tardia de sementes sepultadas desde a pangeia, pois afirmavam que o solo da Grande Cidade era formado por terras sagradas dos cinco continentes atuais, antes irmanados num só bloco.

Entre agosto e dezembro, milhões de turistas invadiam a Grande Cidade só para ver sua planície completamente tomada por dezenas de espécies vegetais, tomada por flores que formavam um tapete multicolorido a se arrastar por vários quilômetros quadrados e avançar também sobre boa parte das colinas que delimitavam as fronteiras da Grande Cidade, isolando-a do mundo geral, cinza e sem graça. E, por isso tudo, sentiam-se felizes e realizados, pois podiam testemunhar o maior espetáculo proporcionado pelo mundo moderno e, em verdade, proporcionado desde o início dos tempos.

Eis que, certa feita, um viajante rompeu as fronteiras do mundo geral, cinza e sem graça, e adentrou a Grande Cidade. Outros viajantes já haviam se encarregado de lhe encher os ouvidos com narrativas fantásticas e talvez por elas é que o viajante resolvera romper as barreiras do mundo geral, cinza e sem graça, louco para encher os olhos com a vastidão colorida do tapete floral de que lhe falaram tantas vezes. O viajante ia em busca da maior beleza que o mundo lhe poderia ofertar. Era mês de março, quando o viajante entrou na Grande Cidade.

Para sua surpresa, que posteriormente daria lugar à revolta, o viajante encontrou uma cidade vazia e a grande planície – que lhe prometeram estaria coberta de flores – estava tomada por poucos velhos alquebrados que arrastavam, pelo chão da Grande Cidade, enxadas, ancinhos e outros instrumentos a penetrar o solo aparentemente árido, levantando uma poeira quase sufocante. A Grande Cidade era um deserto, não havia nem sequer uma flor, que dirá a prometida planície coberta por tapete floral multicolorido.

Grande desilusão! Agora, o viajante desafortunado deixava transparecer sua fúria ao chutar pedras e tocos que, fartamente, cobriam o caminho seco. O ódio do viajante contrastava com a paciência dos poucos velhos que trabalhavam a terra a golpes de enxada e no vaivém exaustivo dos ancinhos.

A passos largos, o viajante – contrariado e resoluto – ia deixando a Grande Cidade, quando uma voz cansada o interpelou:

– Jovem viajante, não vá embora! Precisamos da sua força para trabalhar a terra e prepará-la para as flores que eclodirão em fartas cores quando agosto chegar. Ah, quando as flores voltarem, já em agosto, haverá diante dos teus olhos – dos nossos olhos – o maior espetáculo da Terra. Você verá a maior beleza que pode ser revelada aos olhos de um homem. Você há de ficar tão maravilhado com a visão das flores que sentirá, enfim, que a tua vida valeu a pena, que tudo o que você viveu teve um sentido, que nada do que você fez foi em vão.

O viajante, descrente das palavras que ouvia, gargalhou e depois olhou dentro dos olhos do velho, com um ódio que chegava a faiscar. Em tom de deboche, mirou os olhos do velho e sentenciou, com sarcasmo:

– A tua função, velho, é trabalhar a terra. Eu, como viajante, volto em agosto para ver as flores da Grande Cidade. Em agosto, volto pra ver a planície tomada por espécies vegetais que, ouvi dizer, formam um tapete multicolorido a se arrastar por vários quilômetros quadrados e que deixam a gente tão maravilhado que a gente chega a sentir que a vida valeu a pena.

E continuando a sua retirada, o viajante abandonou a Grande Cidade naquele mês de março, deixando, na poeira espessa, o velho e sua ladainha inútil. O viajante – cheio de raiva – só voltaria em agosto para ver o espetáculo das flores que o mundo geral estava a lhe dever. O espetáculo das flores era seu por direito, mas não lhe competia a obrigação de arar a terra: “Isso os velhos que fizessem, afinal estavam lá para isso mesmo!”.

Em agosto daquele ano, o viajante e milhões de turistas invadiram a Grande Cidade só para ver a planície completamente tomada por dezenas de espécies vegetais, tomada por flores que formavam um tapete multicolorido a se arrastar por vários quilômetros quadrados e avançar também sobre boa parte das colinas que delimitavam as fronteiras da Grande Cidade, isolando-a do mundo geral, cinza e sem graça, mas não viram nada.

Em agosto daquele ano, a Grande Cidade – antes florida – e o mundo geral passaram a formar uma mesma massa seca, sólida e cinza: sem flores, sem cores, sem vida, sem nada. Os velhos haviam fracassado na missão de preparar a terra e o jovem viajante, embora convocado para preparar o chão, havia se furtado ao ofício: afinal, não lhe competia preparar a terra, mas, apenas, contemplar as flores.

Em agosto daquele ano, milhões de turistas culparam os velhos por tamanha incompetência: “Como permitiram que as flores morressem? Como ousaram nos deixar sem a beleza da planície florida? Incompetentes! Incapazes! Esses velhos têm mais é que morrer!”.

E o viajante que negara, em março, o pedido do ancião, para esconder da multidão a sua culpa, para esconder de si mesmo a vergonha, berrava – a plenos pulmões – engrossando o coro dos revoltados: “Como permitiram que as flores morressem? Como ousaram nos deixar sem a beleza da planície florida? Incompetentes! Incapazes! Esses velhos têm mais é que morrer! Esses velhos estragaram tudo e tiraram da vida da gente aquela beleza que era de encher os olhos!”.

Entre o Atlético Paranaense de sonhos que tivemos em 2001 e o Atlético Paranaense que sonhamos para um futuro próximo há, atualmente, um terreno árido, seco e de poeira espessa que congestiona os olhos e quase faz chorar. Convido você, meu irmão Rubro-Negro, que comigo já empreendeu tantas viagens, a trabalhar esta terra dura até que sobre ela brotem muito vivas as flores vermelhas e pretas, com as cores da nossa paixão.

Convido você, meu jovem viajante Rubro-Negro, que comigo já se irmanou tantas vezes, a trabalhar esta terra dura até que sobre ela brotem muito vivas as flores vermelhas e pretas, nas cores do nosso Manto Sagrado.

Sou apenas um velho, de mãos cansadas de trabalhar a terra e de plantar palavras. Mesmo cansado, vou nessa jornada até o fim, mas peço que você venha comigo uma vez mais, em nome do Atlético Paranaense do presente, em nome do Clube Atlético Paranaense do futuro!

P.S.: Dedico esta coluna ao meu Amigo Mario Celso Petraglia que, sem saber que era impossível, foi lá e fez. Dedico esta coluna ao Presidente Mario Celso Petraglia que, corajosamente, voltou ao Furacão para, uma vez mais, fazer o impossível!



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