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13 maio 2012 - 22h17

Perder, ganhar, viver

Uma das mais tristes derrotas do futebol brasileiro completará, no próximo dia 5 de julho, 30 anos. Era 1982, Copa da Espanha, quando a seleção brasileira, praticamente imbatível, enfrentou uma Itália desacreditada.

Precisávamos apenas de um empate para avançar às semifinais da Copa do Mundo, para lutar por um título que não vinha desde 1970, mas perdemos para os italianos por 3 a 2 (três gols do carrasco Paolo Rossi).

Perdemos para os italianos, para surpresa do mundo inteiro, e aquela amarga derrota ficou gravada na memória de todos os torcedores brasileiros (até hoje, mesmo com as conquistas de 1994 e 2002, ainda lamentamos a perda sofrida em 1982).

‘Voltem tranquilos para o Brasil. Vocês jogaram o melhor futebol da Copa e o mundo inteiro aplaudiu o nosso time’, essas foram as palavras ditas pelo técnico da seleção, Telê Santana, logo após a eliminação brasileira no Mundial.

Essas frases serviram apenas para aliviar um pouco a dor e a frustração da queda de um time com uma campanha irrepreensível, um time recheado de craques.

Antes da eliminação, o Brasil deu show nos gramados espanhóis. Na primeira fase, em Sevilha, três exibições de gala contra União Soviética (2 a 1), Escócia (4 a 1) e Nova Zelândia (4 a 0). Zico, Sócrates, Toninho Cerezo, Falcão, Oscar, Júnior, Éder e Serginho Chulapa mostravam um futebol refinado, que fazia com que todos se encantassem durante os jogos brasileiros.

A seleção comandada por Telê Santana foi para Barcelona, onde teria pela frente Argentina e Itália nas quartas-de-final. No primeiro jogo da chave, os italianos surpreenderam e bateram os argentinos, que tinham Diego Maradona em seu primeiro Mundial, por 2 a 1.

Na sequência, foi a vez de os brasileiros ganharem dos maiores rivais na América do Sul – 3 a 1, com gols de Zico, Júnior e Serginho Chulapa.

Por ter melhor saldo de gols, o Brasil entrou em campo contra a Itália com a vantagem do empate. A seleção italiana fazia má campanha e ainda estava em greve de silêncio com a imprensa do país, que criticava ferozmente o futebol da equipe.

Por isso, a classificação brasileira parecia uma mera formalidade, mas os três gols de Paolo Rossi quebraram o encanto e nos mandaram para casa muito antes do esperado. Coisas do futebol.

Hoje, o Estádio Sarriá não existe mais, foi demolido, em 1998, para pagar dívidas do Espanyol, mas, quando eu fecho os olhos, ainda consigo ver aquele triste cenário, palco da minha primeira tragédia futebolística.

Mal eu sabia que haveria outras tragédias. Mal eu sabia que haveria muitos e muitos triunfos futebolísticos pela minha vida afora.

Sobre a derrota de 1982, escreveu-nos o imortal Drummond o texto intitulado ‘Perder, ganhar, viver’, que adiante segue transcrito, na íntegra, em toda a sua beleza:

‘Vi gente chorando na rua, quando o juiz apitou o final do jogo perdido; vi homens e mulheres pisando com ódio os plásticos verde-amarelos que até minutos antes eram sagrados; vi bêbados inconsoláveis que já não sabiam por que não achavam consolo na bebida; vi rapazes e moças festejando a derrota para não deixarem de festejar qualquer coisa, pois seus corações estavam programados para a alegria; vi o técnico incansável e teimoso da Seleção xingado de bandido e queimado vivo sob a aparência de um boneco, enquanto o jogador que errara muitas vezes ao chutar em gol era declarado o último dos traidores da Pátria; vi a notícia do suicida do Ceará e dos mortos do coração por motivo do fracasso esportivo; vi a dor dissolvida em uísque escocês da classe média alta e o surdo clamor de desespero dos pequeninos, pela mesma causa; vi o garotão mudar o gênero das palavras, acusando a mina de pé-fria; vi a decepção controlada do Presidente, que se preparava, como torcedor número um do país, para viver o seu grande momento de euforia pessoal e nacional, depois de curtir tantas desilusões de governo; vi os candidatos do partido da situação aturdidos por um malogro que lhes roubava um trunfo poderoso para a campanha eleitoral; vi as oposições divididas, unificadas na mesma perplexidade diante da catástrofe que levará talvez o povo a se desencantar de tudo, inclusive das eleições; vi a aflição dos produtores e vendedores de bandeirinhas, flâmulas e símbolos diversos do esperado e exigido título de campeões do mundo pela quarta vez, e já agora destinados à ironia do lixo; vi a tristeza dos varredores da limpeza pública e dos faxineiros de edifícios, removendo os destroços da esperança; vi tanta coisa, senti tanta coisa nas almas…

Chego à conclusão de que a derrota, para a qual nunca estamos preparados, de tanto não a desejarmos nem a admitirmos previamente, é afinal instrumento de renovação da vida. Tanto quanto a vitória, estabelece o jogo dialético que constitui o próprio modo de estar no mundo. Se uma sucessão de derrotas é arrasadora, também a sucessão constante de vitórias traz consigo o germe de apodrecimento das vontades, a languidez dos estados pós-voluptuosos, que inutiliza o indivíduo e a comunidade atuantes.

Perder implica remoção de detritos: começar de novo.

Certamente, fizemos tudo para ganhar esta caprichosa Copa do Mundo. Mas será suficiente fazer tudo, e exigir da sorte um resultado infalível? Não é mais sensato atribuir ao acaso, ao imponderável, até mesmo ao absurdo, um poder de transformação das coisas, capaz de anular os cálculos mais científicos? Se a Seleção fosse à Espanha, terra de castelos míticos, apenas para pegar o caneco e trazê-lo na mala, como propriedade exclusiva e inalienável do Brasil, que mérito haveria nisso? Na realidade, nós fomos lá pelo gosto do incerto, do difícil, da fantasia e do risco, e não para recolher um objeto roubado. A verdade é que não voltamos de mãos vazias porque não trouxemos a taça. Trouxemos alguma coisa boa e palpável, conquista do espírito de competição. Suplantamos quatro seleções igualmente ambiciosas e perdemos para a quinta. A Itália não tinha obrigação de perder para o nosso gênio futebolístico. Em peleja de igual para igual, a sorte não nos contemplou. Paciência, não vamos transformar em desastre nacional o que foi apenas uma experiência, como tantas outras, da volubilidade das coisas.

Perdendo, após o emocionalismo das lágrimas, readquirimos ou adquirimos, na maioria das cabeças) o senso da moderação, do real contraditório, mas rico de possibilidades, a verdadeira dimensão da vida. Não somos invencíveis. Também não somos uns pobres diabos que jamais atingirão a grandeza, este valor tão relativo, com tendência a evaporar-se.

Eu gostaria de passar a mão na cabeça de Telê Santana e de seus jogadores, reservas e reservas de reservas, como Roberto Dinamite, o viajante não utilizado, e dizer-lhes, com esse gesto, o que em palavras seria enfático e meio bobo. Mas o gesto vale por tudo, e bem o compreendemos em sua doçura solidária. Ora, o Telê! Ora, os atletas! Ora, a sorte! A Copa do Mundo de 82 acabou para nós, mas o mundo não acabou. Nem o Brasil, com suas dores e bens. E há um lindo sol lá fora, o sol de nós todos.

E agora, amigos torcedores, que tal a gente começar a trabalhar, que o ano já está na segunda metade?’.

Ao belíssimo texto, acrescento trecho retirado do poema ‘Aos Atletas’ onde o mesmo Drummond deixou consignado, para sempre:

‘Perder é tocar alguma coisa
mais além da vitória, é encontrar-se
naquele ponto onde começa tudo
a nascer do perdido, lentamente’.

Hoje, perdemos o título. Perder implica remoção de detritos: começar de novo.

Hoje, perdemos o título: encontramo-nos no ponto onde tudo começa a (re)nascer.

O Paranaense de 2012 acabou triste para nós, mas o mundo não acabou. Nem o Atlético, com suas dores, seus bens, sua História e sua Torcida.

Haverá para nós, ainda, dezenas de triunfos (e haverá derrotas também, pois elas fazem parte do esporte e da vida).

Bola pra frente, Atlético, pois como disse o sábio Drummond: ‘Perder é uma forma de aprender’. Certamente, a gente aprendeu muito com esta final de 2012. Certamente, saímos, hoje, mais unidos e mais fortes para a construção de um Atlético vocacionado, desde 1924, às grandes conquistas.

Bola pra frente, Atlético! Por você, a gente perde, ganha, vive, ri e chora.

Por você, Atlético, a gente morre de orgulho, morre de amor e a gente morre, sobretudo, por amor!

Por você, Atlético, a gente renasce!

Hoje, perdemos a taça, mas amanhã já é outro dia ‘onde começa tudo a nascer do perdido, lentamente’.

Se eu tivesse desistido de amar no primeiro amor não correspondido, ou frustrado, ou imperfeito, hoje meu coração amargurado seria simplesmente um órgão no meu peito. Mas insisti no amor, nessa aventura de dor e gozo, e por isso é que, perseverante no amor, ainda vivo num mundo que me é maravilhoso.

Se eu tivesse desistido da verdade na primeira vez que me deparei com a mentira, hoje seria mais um cínico, um mentiroso, mas a busca incessante pela verdade é missão que de mim ninguém tira.

Se eu tivesse desistido do Atlético – talvez naquela tarde em Erechim, quem sabe nalguma outra derrota de dor lancinante – hoje eu seria um covarde infeliz. Sem desistir jamais do meu Atlético Paranaense sigo – orgulhoso e apaixonado – adiante!

Bola pra frente, meu Furacão! A vida também é feita de derrotas e, sobretudo, nas derrotas!

Ao meu irmão coxa-branca, Flávio Fonseca Lemos, meus cumprimentos pelo título. Nosso Atletiba, que já dura quase 30 anos, é batalha bonita demais. O meu pranto, o teu riso é a vida que explode em emoções vivas demais.

Aos meus amigos Atleticanos de tantas lutas, de tantas guerras: Mário Celso Petraglia, Ricardo Barrionuevo, Emílio Sounis Júnior, Antônio Cezar Rinaldin, Roberto Bonnet, Elias Cordeiro, Cirley Loeblein, Franco, Mercer, Chico Renisz e tantos outros cujos nomes agora infelizmente me escapam: a vida segue e o Atlético segue unido para cumprir seu destino de ser GIGANTE!

Aos prezados Gilmar José Santos, Emerson Morais, Dr. Álvaro Claudino Küster, Dr. Marcelo Gomes, Olívio Batista, Jairo Rosa, Rodrigo Abud, Décio Rene Penha e Lelo Penha: o meu afetuoso abraço!

A dor passa, a vitória e a derrota passam, a alegria passa: só o Atlético nos é eterno. Desde já, recomeçamos…



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