O telegrama
No seguinte conto, por ser obra de ficção, qualquer semelhança é mera coincidência. Eis a narrativa:
Em tempos não muito distantes, alguns entusiastas, inclusive o narrador desta historieta, recebemos um telegrama vindo do oeste das terras paranaenses, precisamente Cascavel. Dizia o escrito:
Procura-se. Dono. Concurso. (…) ices. Caso de vida ou morte. Assinado: defensor de causas próprias e alheias.
O telegrama vinha, ainda, com endereço e telefone.
Intrigados pela impossibilidade de compreensão das palavras escritas e pelo anonimato, indagávamos respectivamente o significado do telegrama e quem poderia tê-lo escrito.
Cogitamos algumas hipóteses, resumidas por brevidade em duas.
A primeira: em virtude do objeto maior do nosso entusiasmo o ATLÉTICO tais palavras do telegrama poderiam vir de certo comentarista. Vamos chama-lo de Fernandinho. Nossa suspeita recaiu sobre tal comentador, porque vindo a mensagem de Cascavel e sendo ele daquela bonita cidade, com habitantes cordiais e lúcidos, a probabilidade era grande. Lembramos, também, que muitos dos comentadores atualmente fazem das coisas do ATLÉTICO as suas (concluindo pela afetação de tais pessoas).
Entretanto, as palavras do telegrama ainda não faziam sentido, mesmo nos dias de hoje em que a busca insana por ibope faça do bom senso, do respeito, do debate sadio, algo relegado a insultar o ouvinte ou o leitor invariavelmente ATLETICANO (tal situação leva a uma questão: qual seria o canto da sereia tocado para ocorrer atitudes desmedidas? Rapidamente lembro: achincalhar o objeto de muitos entusiastas traz grande ibope, pois os entusiastas vão lutar contra o besteirol dito, e os do outro lado, vangloriado alto, vão adorar a asneira seriam eles adoradores de asnos?).
Passamos a segunda hipótese: a mensagem poderia vir de qualquer pessoa, mas com objetivos claros: ou ser como aquele personagem de gibi do contra ou por motivos não entendidos, loquazmente (alguns diriam loucamente) criar conflitos, fazer valer argumentos muitos infundados, sem qualquer espírito construtivo.
Ficamos num beco sem saída, pois não conseguimos descobrir nem autor do telegrama e nem o alcance das palavras daquela mensagem. Todavia, a suposição era de que as expressões realmente se referiam ao ATLÉTICO, porquanto faziam menção a dono, caso de vida ou morte e (…) ices. Dono e caso de vida e morte até tinham algum sentido. Mas (…) ices (?) não encerrava qualquer significação. Num esforço de compreensão, presumimos que (…) ices era uma espécie de complete você mesmo com palavras que terminam em ices: sandices, cretinices, babaquices, burrices, mesmices, etc., atualmente tão presentes nos escritos sobre o ATLÉTICO.
Assim, por curiosidade humana, o narrador desta fictícia história lembrou: há no telegrama um telefone. Imbuído de um espírito de bom humor, de pronto peguei o telefone e liguei.
Boa tarde disse.
A outra pessoa respondeu cordialmente. Então continuei.
Eu e outros entusiastas recebemos um telegrama com os seguintes dizeres: Procura-se. Dono. Concurso. (…) ices. Caso de vida ou morte. Assinado: defensor de causas próprias e alheias..
Perguntei: é do senhor?
Com súbita mudança de temperamento e educação, ele respondeu secamente:
– Sim, fui eu, algum problema?
Prevenindo o desenvolvimento de qualquer conflito fui direito ao assunto:
Com todo o respeito e não sabendo dos seus motivos, em se tratando do nosso entusiasmo, o ATLÉTICO, entendo que utilizar um espaço democrático para tentar fazer valer suas razões, certas ou não, em desfavor daquele dono ou a favor de outro dono ou contra os dois, não me parece uma crítica construtiva, porque queremos na verdade construir um clube. Se o senhor acha que tal dono não é o melhor para o FURACÃO, o melhor local para discutir isso é na vida associativa do clube e em tempo de debate eleitoral, isso para escolher a melhor opção de qual clube queremos: o que somente enraíza problemas, ou outro que busca soluções para as dificuldades. Democracia funciona assim: podemos nos expressar livremente quando optamos, mas a partir do momento que a maioria escolhe é dever de todos trabalhar para a opção escolhida dar certo. Evidente que a crítica construtiva sempre é bem vinda, mas trazer razões, muitas infundadas, em nada vai ajudar.
Ele, com aquela tendência guerreira característica, solta a verborragia:
Você é um desvairado que fala sandices, um crítico da administração anterior, como seu dono, um desatinado. E continuou com o palavreado por cerca de cinco minutos ou quatorze textos.
Eu, tentando ser conciliador e construtivo redargui:
Olhe, não defendo a administração A, B ou C. Defendo o ATLÉTICO. Vejo defeitos e qualidades nas pessoas, pois nem todos são 100% anjos ou 100% demônios. Mas para mim o FURACÃO está acima das pessoas. Além do mais, todos, inclusive você tem o direito de optar. O que não temos o direito é a crítica, muitas vezes infundadas, sobre a opção das pessoas. Para sua informação, em termos de paixão, meu dono é o ATLÉTICO. Em síntese, muitas palavras para poucas ações. Se os termos do telegrama se referem mais uma vez as críticas não construtivas sobre o CLUBE ATLÉTICO PARANAENSE, passar bem.
Um pouco mais calmo, mas ainda com o espírito destruidor, o autor do telegrama falou:
Não retiro uma palavra do que disse e mais, vou continuar eternamente falando, escrevendo, porque sou defensor (de profissão) das causas próprias e alheias. Para minha surpresa, ele muda o tom da voz e fala: Só uma coisa, sobre o telegrama, na verdade eu necessito uma ajuda dos colegas, explico: minha filha menor vai participar de um concurso de misses aí em Curitiba, mas eu preciso encontrar o dono do concurso para ele dar umas dicas sobre a disputa. Era caso de vida ou morte porque minha família gosta e sempre aparece nas colunas sociais, isso dá ibope para mim e para tudo o que faço. Tive que escrever o telegrama em código porque tenho vergonha de falar (escrever) abertamente sobre os meus reais motivos.
Perplexo, respondi com a devida educação que se soubesse de algo sobre tal concurso prontamente atenderia sua solicitação. Tentei perguntar sobre amenidades da profissão, mas não ocorreu qualquer ato de companheirismo. Desliguei o telefone.
Ainda tentando entender a esdruxula conversa ocorrida, comecei a pensar e cheguei a algumas conclusões do causo: há pessoas que só querem ibope. Falam, escrevem e se colocam na sociedade somente para serem lembrados. Como no concurso de misses de crianças ou até mesmo de adultos as misses não sabem qual a razão de participarem do concurso, mas participam para deleite dos pais. Alguns agem como defensor de causas próprias e alheias sem qualquer motivo para isso, pelo simples prazer do retorno positivo ou negativo. E ainda saem com o velho bordão ameaçador vou te processar. É por isso que entendo piadas de advogado como o que são mil advogados no fundo do mar: um bom começo.
Cheguei a outra conclusão: para os meios de comunicação como as rádios (FM ou AM), nem tudo que é ibope reluz.
Ibope, ah, a grande realização da vaidade. O belzebu (asno chifrudo) certamente está atiçando os egos alheios. Para isso, remédio adequado: INDIFERENÇA.
Lamentei no episódio, no causo, a má utilização da língua pátria, ocorrido com frequência por aqueles que têm por obrigação respeitá-la, porquanto o final de misses não era com ices, o que certamente levou a incompreensão do telegrama e a identificação da autoria.
Obra de ficção. Qualquer semelhança é mera coincidência.