A mala moderna
Era uma vez, nos corredores da Rodoferroviária (vejam o quanto de realidade pode conter uma ficção)…
– Ei, senhor! Alto lá! O que leva nessa mala enorme? disse o policial da Guarda Metropolitana.
– Nada, seu Pulícia. Apenas coisa do meu trabaio. respondeu-lhe o acanhado passageiro.
– Pode ir abrindo…vai que a gente encontra mais um sashimi humano, né?
– É tudo humano, mas tá tudo vivo, eu garanto. Meio passado, fidido, mais ainda dá pro gasto!
– Como assim?
– É que eu sô impresário de fotebór. Tô vindo pro sur pra vê se alguém compra meu pacote. Paga 2 leva 3, sabe como?
– Hum…o quê você tem aí? indagou o policial, ajeitando um boné da Fúria Independente por debaixo do quepe.
– Óia seu guarda: no momento tem João Paulo…Batoré…e quem levá, de brinde ganha um Saci. Não tá bão demais?
– E o senhor vai vender tudo isso?
– Tô tentando. Viajo esse mundão do Brasí afora pra vê se alguém se interessa. Encho a mala e me mando. Quando esvazia, repito. Vim pro Paraná porque disseram que aqui a crise é moral. E tem bastante gente que se aproveita disso, lei da selva, né?
– Veja bem…não tenho nada com isso, mas tenho um primo contrabandista e sei o duro que ele dá na vida, reconheço. Dá uma passadinha neste endereço: é o CT Alfredo Gottardi. Lá eles tão precisando de qualquer coisa. Porque pior que tá não fica, entendeu?
– Puxa, obrigado, seu guarda, vô lá sim.
– Peraí…mas me prometa uma coisa: depois que você desovar tua mala, passa lá no cemitério e acende 4 velas, ok? guarda FdP mas religiosamente ecumênico, já ‘pagando seu pecado…
– Pra quem, dotô?
– Uma pro Caju, outra pro Jofre Cabral, a do Geraldino e a última pra Torcida Atleticana.
– Cumbinado, então thau seu guarda.
– Qual o seu nome? disse o guarda curioso.
– Bem…é que a gente não costuma dizê o nome, seu guarda. A gente não aparece, não mostra a cara, não presta conta, não corre riscos, entende? Nosso serviço é só atravessar a boleirada, que é dependente da gente, nos dá procuração pra levá eles pra onde for. A gente alimenta o mercado, sabe como? É o tar de capitar de giro. Sempre dá errado mas sempre sobra é pros técnico, não vê? Por isso eles só trazem técnico varzeano, questão de quilíbrio. A gente fica bem longe disso. Trabaio bom, no final sobra uns troco pra nós passá o verão em Praia Grande com a familiage.
– Mas por que você não vai de avião? Tem medo?
– Nada. É só questão de nível. Minha carteira é categoria C, porque trabaio com jogador que não dá certo na série B. O nível do meu pacote é o mesmo nível da diretoria dos clube que negocia comigo…
– Empresários e diretorias…vocês se dão muito bem, não? Devem ter muita coisa em comum.
– Sim, a gente é muito parecido. No corpo, a gente temo outro cérebro no lugar do coração. Mas é principalmente porque nós passa o verão inteirinho sem esquentá a cabeça com nada, biçolutamente nada…
– E tem diferenças entre vocês?
– Só uma: a gente curte a praia no fim do ano. Eles têm verão o ano inteiro.
– Ok, bons negócios. terminando a abordagem o feliz guarda da gralha em ascensão.
Já no taxi onde havia um adesivo no painel escrito o mais vitorioso do mundo – o empresarióide colhia informações saídas da boca do feliz motorista que acreditava em mitos, novelas, Wirsões e propaganda, em tons de ironia:
– Tõ levando o sinhô prum lugar chique no úrtimo. Até decorei o discurso deles, escuta só: {O trinômio espaço, tecnologia e know-how confere ao Centro de Treinamento Alfredo Gottardi, do Clube Atlético Paranaense, infraestrutura digna dos melhores elogios no tocante à formação de atletas, medicina do esporte e capacitação de profissionais no segmento do futebol. Referendado como exemplo para clubes do país e do exterior. Conhecido como CT do Caju, seu espaço abrange área total de 220 mil metros quadrados, contanto com oito campos oficiais, campo para goleiros, áreas específicas para desenvolvimento de habilidades motoras, além de quadras poliesportivas de tênis e futsal e uma cancha de areia. Centro médico e científico com amplo desenvolvimento em fisiologia, fisioterapia, ortopedia, nutrição e diagnósticos em exames de avaliações isocinéticas, densitometria óssea e cardiopulmunares. Complexo dotado de dois hotéis com acomodações para 180 hóspedes/dia, dois restaurantes com capacidade para 800 refeições diárias e lavanderia para 60 mil peças/mês. Engloba também duas piscinas térmicas, sala de musculação, amplo espaço com paisagismo, lagoa natural, estacionamento para 120 veículos e segurança ostensiva com monitoramento 24 horas.} Bonito, não? Kkkk!
Colchetes: [A pergunta que não morre na consciência de cada rubro-negro: pra que tudo isso???? Pra gente ver aquilo em campo???? Há sete anos a mesma coisa!!!! Será que tem alguém que ainda acredita em Oposição, duas frentes, malucelistas X petraglistas???? É tudo igual! O establishment gestor não muda: mentirosos, omissos e incapazes! Todos são homogeneamente Calhordas!]
E foi então que a mala abriu-se no centro de treinamento mais lindo da América do Sul. O paradoxo mais falsídico da história do futebol brasileiro. A mais estapafúrdia contradição do mundo esportivo nacional. O contra-senso mais bizarro do universo da bola: tudo de estética, nada de função. Somos hoje o maior exemplo de indignação que pode acometer uma nação. Ou seja, a estorinha da Torcida que pensava que ele era, mas sabia que ele era não…
Moral da estória: na selva, a lei dos homens não faz rei (trecho da música Lei da Selva, de Lulu Santos).
Pena que estamos na civilização.
p.s.: não disparem contra o utopista: estou em férias acadêmicas. Abraço, prof. Rafael Lemos. Pode me xingar, mas a verdade é uma só: procure-a sabe onde? No seu coração. Em nosso coração Atleticano. Maior do que tudo e, principalmente, maior do que todos!
Tudo só porque ISTO AÍ NÃO É O ATLÉTICO!