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2 jan 2014 - 12h56

Torcida desorganizada

Em 2010, durante um congresso de Direito Desportivo na UFPR, fiz uma pergunta direta ao Sr. Paulo Schmitt do STJD: se não seria conveniente a extinção das torcidas organizadas.

Alguns meses antes, havia ocorrido aquele episódio trágico, de confronto entre torcedores do Coritiba e policiais militares e a existência dos torcedores organizados estava sendo colocada em xeque.

Ele respondeu que não, e que se você extinguisse as torcidas organizadas elas se reagrupariam sob outra denominação e o problema da violência não seria sanado. Essa opinião foi respaldada por outros membros que estavam na mesa, alguns deles eminentes advogados da área do Direito Desportivo.

Passados mais de 3 anos faz-se a mesma pergunta: seria conveniente a existência de torcidas organizadas?

Do meu ponto de vista, não.

De lá pra cá, a violência nos estádios aumentou e a barbárie que vimos nas arquibancadas da Arena de Joinville geraram punições que podem comprometer todo o trabalho do Atlético em 2014.

Identificação de torcedores violentos, biometria, etc. tudo isso é muito importante, mas não ataca o cerne da questão: é no âmbito das torcidas organizadas que um sujeito, que pode até ser pacato, torna-se agressivo, violento, disposto a tudo, enchendo-se de coragem para fazer aquilo que não faria isoladamente.

Então não estamos falando de um sujeito que age sozinho, mas da organização, que dá força ao sujeito e o estimula a perpetrar a violência.

Num passado não muito distante, as torcidas organizadas no Brasil eram apenas um agrupamento de pessoas com um mesmo benigno fim: incentivar seu time nos estádios, com bandeiras, faixas, cantos. Davam um espetáculo à parte, simples e bonito. Não se via a violência, apenas aquela provocação típica entre torcidas rivais, que faz parte de qualquer disputa esportiva.

Só que a inocência e o romantismo desses primitivos torcedores organizados deram lugar à atos grotescos de violência, praticados por uma massa de sujeitos agressivos, indiferentes ao que ocorre no jogo, cuja finalidade principal não é mais torcer de forma sadia pelo time, mas dar demonstrações de força para destruir a facção rival. A torcida organizada tornou-se um fim em si mesmo: torcem para elas mesmas, celebram-se a si mesmas. Tornaram-se organizações independentes, muitas delas gigantescas, poderosas, que muitas vezes nem dependem do clube para a sua sobrevivência. Tem terrenos, galpões, escolas de samba. Algumas chegaram até a patrocinar a camisa do clube. Entram na vida dos clubes, dos conselhos, elegem seus membros para cargos políticos.

Nos estádios tentam meter medo com seus cantos e símbolos de guerra, recheados de palavras de ordem que remetem ao ódio gratuito. Tentam impor-se pela atitude agressiva e adotam um visual que lembra skinheads ou lutadores de artes marciais, prontos para a agressão instantânea contra quem quer que seja.Sentem prazer em agredir, não respeitam o espaço de outros torcedores, consomem drogas. Por cerca de 90 minutos se acham livres para fazer o que bem entendem, sem freios.

Por que houve essa transformação? Talvez por causa da deterioração das relações econômico-sociais ou pela falta de perspectiva e frustração diária experimentada por jovens que encontram na torcida organizada o modo pelo qual adquirem a força que não tem, extravasando suas neuroses não só no estádio de futebol, contra seus adversários de torcida, mas nas ruas, nos terminais de ônibus, contra tudo e contra todos. Ou porque o simbolismo que elas carregam atraiam pessoas naturalmente propensas à violência e que nesse ambiente de violência coletiva se sentem à vontade.

A análise dessas causas é tarefa para sociólogos e para estudiosos que se debrucem sobre essa questão para encontrar saídas, mas o fato é que precisa ser dado um basta definitivo nessa situação. E logo, urgentemente.

Na Inglaterra, após muitas tragédias, culminando com aquela no Estádio Heysel na Bélgica, que vitimou 38 pessoas durante o jogo entre Juventus da Itália e o Liverpool que decidiam a Liga dos Campeões em 1985, foram tomadas medidas mais drásticas para reprimir a violência. Os times ingleses foram proibidos de jogar a Liga por 5 anos e o governo de Margareth Thatcher começou uma autêntica caçadas os hooligans. A violência fora do estádio acabou, mas os hooligans continuaram com suas arruaças fora deles.

A simples suspensão por ‘x’ meses é apenas uma medida paliativa, que não terá efeito algum. Pode ter até algum efeito momentâneo, mas depois elas voltam e com sua carga de ódio redobrada.

Aqui no Brasil, é mais do que necessário o fim definitivo dessas verdadeiras organizações do mal. Elas não trazem nada de bom ao espetáculo e ainda afastam o torcedor comum dos estádios. Torcedor que até gostaria de estar presente, mas que pensa duas, três vezes antes de sair de casa para ver futebol.

O que os eminentes juristas e dirigentes esportivos defensores das torcidas organizadas querem que aconteça? Um massacre coletivo? Mortes em massa nos estádios? Deixem a retórica vazia de lado e ajam firmemente contra essas torcidas desorganizadas, extinguindo-as.

No caso do Atlético, quem vai pagar por todo o prejuízo que essa torcida organizada gerou? Ficar afastado dos estádios por mais de 2 anos por conta de um projeto de modernização é cruel, mas compreensível, já que o sacrifício vem na exata medida do ganho que se conseguirá depois. Agora, ser afastado dos estádios por conta de arruaceiros inconsequentes é impor uma pena pesada demais ao clube e aos seus verdadeiros torcedores, que não tiveram culpa nenhuma nisso.

Agora, se o clube é conivente com a atuação das organizadas, ele é culpado sim, e deve ser punido.

Como fica aquele sócio que está pagando suas mensalidades em dia mesmo não usufruindo daquilo pelo que paga? Simplesmente ficar quieto?

Particularmente me sinto prejudicado materialmente e também moralmente pelo que as torcidas organizadas fizeram e acho mais do que justo buscar ressarcimento frente a estas instituições, que, a bem da verdade, não combinam mais com o espírito fraterno e hospitaleiro que deve prevalecer num país que está prestes a sediar a Copa do Mundo. Elas estragam o ‘espetáculo futebol’. Não combinam com arenas modernas e com o ambiente business que norteia o futebol atual.

E por falar em Copa, já circulam pela internet provocações de torcedores organizados contra hooligans europeus, convidando-os para virem ao Brasil para o que seria uma batalha campal nas ruas, disputada em paralelo aos jogos da Copa!! As autoridades devem estar bem atentas a isso, pois prenuncia-se uma tragédia que pode atingir grandes proporções.

Senhores juristas do esporte e dirigentes esportivos, pelo bem do futebol brasileiro, que dentro do campo é fantástico, por favor, promovam ações para a extinção dessas torcidas organizadas e que qualquer violência nos estádios seja duramente reprimida.



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