Hipertensão moderada, estágio 2
Início de ano é sempre igual: a gente faz um monte de promessas, que serão descumpridas ao longo dos doze meses; a gente deixa de fumar, durante os cinco primeiros dias de janeiro; a gente começa a caminhar na ciclovia, até que se sente meio ridículo metido naquele xortes de elástico frouxo; a gente vai ao médico fazer checape, louco pra ouvir dele que está tudo oquei e que a gente pode continuar vivendo em paz. Como não sou em nada diferente de vocês, já fiz tudo isso esse ano, até a parte do doutor que é, convenhamos, a parte mais chata do ritual. Só que, ao contrário do que eu pensava, depois dos exames o homem do jaleco branco sentenciou:
– Rafael, você está com o que chamamos de Hipertensão Moderada, estágio 2, e é preciso que investiguemos alguns fatores de risco, certo?
Bom, diante do diagnóstico do médico, e não tendo eu outra saída, acomodei-me melhor na poltrona do consultório e permiti o começo da entrevista.
O bom doutor, logo de cara, perguntou-me:
– Fuma?
– Sim!
– Muito?
– Não sei dizer!
– Mais de cinco por dia?
– O senhor diz cinco cigarros ou cinco maços?
– Cinco cigarros! Ou vai me dizer que você fuma cinco maços!
– Não, claro que não. Fumo dois!
– Cigarros?
– Não, doutor! Dois maços!
– É mau! Vai ter que suspender!
– Suspendo!
– Come gordura?
– Ô!
– Animal?
– O senhor está me xingando?
– Não, em absoluto! Perguntei se a gordura é animal!
– Ah! Sim, a gordura é animal.
– Também é mau! Vai ter que suspender!
– Suspendo!
– Você faz exercícios?
– Palavras-cruzadas são consideradas exercícios para a Medicina?
– Não, claro que não!
– Então eu não faço nada!
– É mau, vai ter que fazer!
– Faço, pode deixar que eu faço!
– Torce por algum time de futebol?
– Mas é claro!
– Claro por quê? Em Medicina nada é assim tão claro!
– Mas eu torço! Torço pelo Clube Atlético Paranaense, o melhor time do mundo, campeão brasileiro de 2001! e nessa altura da conversa eu me emocionei tanto que enumerei todos os títulos do Rubro-negro, falei da Arena, do CT do Caju, do Mário Celso Petraglia e até do meu desejo de ser cremado, depois de morto é claro, e ter minhas cinzas jogadas sobre o gramado da Arena.
Depois de me ouvir atentamente, o médico olhou pra mim e disse:
– Isso também é mau, vai ter de suspender!
Ah, aí eu me queimei, aí a pressão que era alta ficou altíssima, aí eu me indignei e, encolerizado, olhei o doutor-proíbe-tudo e disparei:
– Deixar de torcer pelo Clube Atlético Paranaense? Nunca! Jamais! Em tempo algum! Nem que seja pra salvar um inocente! Prefiro morrer a deixar de torcer pelo meu Furacão! E não é por causa de uma Hipertensão Moderada que eu vou deixar de lado o meu Furacão da Baixada (até rimou, perceberam?).
E depois disso, ainda vermelho por conta da pressão que foi a 17 por 11, fui me dirigindo à porta, louco pra sair daquele consultório. Durante o caminho de volta, vi que ao lado do diploma do doutor-mais-chato-que-panqueca-atropelada havia uma bandeira do coxa! Uma bandeira do coxa!
Vendo aquilo, não me agüentei e me dirigi de novo ao doutor-HDL-LDL. Perguntei-lhe:
– Doutor, responda-me aí uma coisa! e já perguntei com ar de deboche, segurando o riso entredentes.
– Quê? retorquiu secamente o homem do estetoscópio.
– O senhor me disse que torcer pelo Atlético Paranaense faz a pressão aumentar, decerto por conta das inúmeras emoções proporcionadas pelos jogos importantes do Furacão na série A do brasileirão, certo?
– Certo.
– Torcer pelo Atlético Paranaense faz a pressão aumentar porque jogar a todo momento com o Santos, São Paulo, Cruzeiro é um desafio para o meu coraçãozinho tão enfermo de Hipertensão Moderada, que dirá disputando pau a pau os títulos com eles, certo?
– Certo! e ele já disse isso com cara de poucos amigos!
– Então, doutor, eu estava pensado: e se eu torcesse pro coxa, lá na série B, enfrentando times grandes como o Anapolina, o Barra do Garça, o XV de Valença, o Comercial de Jequié, o Treze-de-Quase-XV, será que minha pressão se rebaixava?
E logo que falei aquilo, o homem foi ficando vermelho, ficando vermelho, ficando vermelho e só não explodiu ali na minha frente porque conseguiu tirar do bolso dois comprimidos de Telmisartana e os tomou a seco, numa bocada só!
Início de ano é sempre igual: a gente faz um monte de promessas, que serão descumpridas ao longo dos doze meses; a gente deixa de fumar, durante os cinco primeiros dias de janeiro; a gente começa a caminhar na ciclovia, até que se sente meio ridículo metido naquele xortes de elástico frouxo; só uma coisa a gente não faz: deixar de torcer pelo Clube Atlético Paranaense, pois isso é pedir o impossível.