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9 fev 2007 - 11h51

O grande Atletiba

A minha geração alcançou ainda os bons tempos do Atletiba. Nos verdadeiros clássicos a torcida do Atlético ficava na curva da Igreja: – “El, el, el, segura o papel!” – e quando o Rubro-negro entrava era aquele verdadeiro niagara de papel branco e pó vermelho; e a velha faixa desbotada e alguém dentro do campo detonando os fogos fátuos. Os últimos grandes jogos desta época foram as finais de 1990. É importante que se faça, ainda que rapidamente, uma pequena contextualização histórica. Era o tempo das camisas de algodão, tempo de Lombardi Jr, dos Estaduais semestrais e suas formulas mirabolantes. Juan Figger estava começando a botar as manguinhas de fora, bem como o recém eleito presidente Ricardo Teixeira. Ainda não haviam sido inventados o Bragantino, a camisa de tecido sintético espalhafatoso, Vanderlei Luxemburgo e outras imposturas. Não havia produtos importados e quando os garotos precisam repor uma bola furada nas peladas de rua iam até a Fedatto e compravam um capotão nº 5. Só os muito playboys tinham acesso as bolas oficiais das Copas. Alguns contemporâneos de Pelé ainda jogavam por ali e acolá e o Atlético era presidido por José Carlos Farinhaque.

Para os jovens que não o conheceram, ele era o anti-Mario Celso Petraglia. Era antes de tudo um torcedor (antes que as hienas se arremessem – ele foi também um empresário de jogadores, e teria sido o inaugurador do balcão de negócios na rua Buenos Aires). Pode ser, ocorre que a motivação era conjuntural, era o que se podia fazer e não de política estrutural. O Polaco assumiu o Atlético numa época difícil, quando todos os quadro se afastaram. Seu compromisso era com a torcida. Se hoje os torcedores são impedidos de entrar no Clube, naquela época éramos convidados para churrascos, bois no rolete. Se hoje ninguém sabe quem é contratado e dispensado, naquela época éramos anualmente convidados a comparecer no Afonso Pena, receber alguma “cobra”. Eder, Kita, Vivinho e Eder Lopes. Estive em todas essas. E as especulações inverossímeis? E o caminhão de jogadores que chegavame saiam diariamente? Mario Henrique e Wilson Maciel nos abasteciam com nomes e mais nomes quase que todos os dias. Nos jogos mais calmos, Farinhaque levava seu pai, um senhor polonês que parecia ter mais de noventa anos e usava suspensório e galocha para ver o Atlético. Como era bonito tudo aquilo. Eram tempos românticos, meio prosaicos, mas tempos honestos, mais claros. Tempos que foram engolidos pela paranóia da “modernidade”, do mundo corporativo, clube-empresa, milhões de dólares e todos os palavrões do futebol atual (vide última entrevista do Petraglia). Há quem diga, hoje em dia, defendendo os novos tempos: “Você queria voltar praquela época?” Nolstálgico incorrigível que sou, não digo nada. No máximo, dou um suspiro.

Em agosto de 1990 eu tinha 12 anos e o Atlético era a coisa mais importante da minha vida. O Brasil, com sua democracia ainda virgem, fervia no caldo das eleições gerais. Assisti todos os jogos daquele campeonato de três turnos e um hexagonal e o Atlético montou uns 5 times aquele ano. Peguem a lista de jogadores utilizados. Vai de Assis a Paulo Rink. Vitórias sofridas em jogos noturnos no Couto Pereira (os banheiros eram lavados de creolina para nos sacanear) naquele inverno frio e um empate em 2×2, com dois de Dirceu, nos deram a vantagem de dois resultados iguais nas decisões. É bom lembrar que no último jogo do último turno havíamos enfrentado pela primeira vez o recém-nascido Paraná, e o gol da vitória também foi de Dirceu.

O primeiro jogo da decisão é o meu Atletiba inesquecível. Recordo-me que os ingressos foram majorados em trocentos por cento e custariam o equivalente a 15 dólares. O Globo Esporte estadual, surpreendentemente, fez uma matéria lindíssima e inesquecível com um samba que não sai da minha cabeça, mas que eu nunca mais ouvi (“… o jogo é hoje, vai sair o grande campeão…”). Lembro de ter ido comprar meu ingresso à tarde, nas bilheterias da Rua Mauá. Numa trêmula excitação, passei o resto do dia tirando e retirando aquele ingresso do bolso, olhando-o como se fosse a verdadeira Rosebud, a coisa mais valiosa do Mundo. Não consegui comer nada. Eu ouvi todos os programas esportivos possíveis. Meu pai viajava muito na época. Não estava na cidade. Mas seus amigos e colegas de antigas diretorias do Atlético usavam nossa casa no Alto da Glória, na quadra do campo, como posto avançado Rubro-negro. Aquele dia foi igual. O próprio Farinhaque deixou o carro lá em casa, junto com o grande Airton Gallina. Lembro que neste dia, o querido tio Galina me falou que o Atlético tava de olho num centroavante de 17 anos, de Brasília, que ele chamou de “Renaldo sem i.”

Eles foram antes, eu fui com meu irmão e minha doce irmã Tatiana (que assistiu todos os jogos do hexagonal decisivo). Noite fria de neblina densa. O plano Collor e o aumento absurdo do preço, além certeza de um outro jogo domingo levaram menos de 20 mil pessoas ao antigo estádio do Coxa. Algum gênio da raça havia inventado uma versão de another brick in the wall, usando os versos de uma paródia que uma rádio já fazia e a notória indecisão sexual dos coxas, a origem obscura de suas famílias e tudo o mais. A propagação boca a boca deste hino e o verdadeiro delírio pornográfico que ele causava no refrão retumbante foi o fenômeno popular mais impressionante que eu já vi em toda a minha vida. Do alto destes quase vinte anos fica a certeza de que sem a composição deste clássico das arquibancadas (hoje desvirtuado e até profanado nos estádios do Brasil) não teríamos vencido o campeonato.

Os coxas tinham um time muito bom, que nos vencera facilmente no ano anterior e no primeiro turno (no lendário jogo do porco do Julião). Tinha Tostão, Serginho e o jovem Pachequinho que sempre jogavam bem o Atletiba. Por mais que pareça irreal atualmente, aquele tempo era difícil ganhar deles. Eles geralmente venciam, mas com esta ressalva fatal: não as decisões. Era o que nos consolava e elevava, pois o nosso time – que a história se encarregou mais tarde de consagrar – nos era simpático, mas um pouco desconhecido. Havia sido montado há apenas algumas semanas. Vieram só para as finais Fonseca, Leonardo, Gilberto Costa, André e Rizza. Juntando–se ao grande Marolla, meu ídolo Odemilson, Carlinhos Sabiá, Kita, Cacau, Heraldo e Valdir. Além do Serginho mico, nunca lembrado, todavia o artilheiro daquele time e havia outros. Sobretudo, o sobrenatural Dirceu. Jogo nervoso demais, eles sempre pressionando. Lembro perfeitamente do verdadeiro suplicio que foi o primeiro tempo. O Atlético quase não atacou e cortou um doze para não levar gols. Eu, garoto, no fosso ali da entrada da Mauá, sentia o estômago e o coração saindo pela boca. Os amigos do meu pai, para meu espanto, pareciam reservadamente otimistas e confiantes. Não conseguia entender como. E só fui conseguir muito tempo depois, quando eu também comecei a tomar cerveja nos estádios.

Eles estavam com aquelas camisas listradas na vertical, que os meus vizinhos coxas chamava de a “ganhadeira.” Nós, elegantíssimos, de mangas longas rubro-negras e calção branco. O segundo tempo foi mais equilibrado, mais tenso e com mais neblina. Na metade do período aconteceu o pior. Ocorriam num outro nível as provocações naquela época, as torcidas ficavam mais próximas. Garrafas de meia cerveja voavam sobre o cordão de isolamento. Como eles fizeram barulho. E como a nossa torcida sempre cresce nessas horas. Do gol deles, que deve ter sido pelos 25 minutos, até o fim os Fanáticos não pararam de berrar, entraram numa espécie de um transe. Uma coisa que não se vê mais.

O negro Dirceu foi chamado por Zé Duarte (técnico boa praça e sósia do Chacrinha). Nos minutos finais pressionamos como nunca. E então Deus resolveu começar o primeiro ato da sua intervenção. Alguns amigos vão dizer que Deus apita pouco na Baixada do Água Verde. Quem manda lá é o “Outro”. Cruz credo, vade retro, mas enfim… Uma bola quebrada no meio campo tinha o endereço da linha de fundo. Eu tinha a impressão de que seria tiro de meta pra eles. O Goleiro deles achou que não. Com Dirceu a acossá-lo e resolveu sair da área para evitar o escanteio. Criou no último minuto o que os antigos chamavam de “córner de mangas curtas.” A oportunidade que precisávamos. A impressão era de que todos os jogadores foram pra dentro da área, com a maioria dentro da pequena área. A neblina (já era quase meia noite), era compacta, maciça. O Couto tinha uma rede azul e a jogada era do outro lado. Eu, com meus enlouquecidos 12 anos, via tudo atentamenete, mas por outro lado não via nada do que realmente estava se passando. Gilberto Costa levantou na primeira trave. Todo mundo foi na bola. Durante um segundo eterno, eu fiquei sem saber o que aconteceu. Tinha a impressão, mas não a certeza. De repente naquela escuridão medonha surge o sorriso branco de Dirceu. A saúde dentária do nosso herói era a confirmação. Aconteceu. Os bêbados da curva do Corneta pareciam “Já saber”. Os “anticristos” da caveira, que em todos os casos naquela hora pediram a benção do papa, explodiram. Dirceu atravessou o campo, eu delirava, só para me garantir que tinha feito o gol pra mim. Que eu podia ficar tranqüilo. Aquele era nosso. Não teve mais jogo. A bateria começou tum-tum-tum: “Atirei o pau nos coxas…”

Dias depois, existiu ainda o segundo jogo, não menos espetacular e não menos sobrenatural. Espero que um confrade mais inspirado saiba contar esta estória. Este primeiro jogo foi mais do que um simples jogo. Foi um divisor de águas na vida do Atlético, uma espécie de “morte do passado.” O sorriso sátiro de Dirceu de Mattos atravessando o Alto da Glória foi o meu grande momento na história do Atletiba.



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