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25 mar 2007 - 1h37

Com amor se escreve a História

Caiu a noite, negra. E eis que sobre mim brilham as estrelas no céu escuro da cidade onde nasci. Curitiba é toda silêncio e a ele adiro para poder pensar na vida.

A quietude geral faz Filosofias vãs ocuparem minha cabeça. Meus raciocínios indagam: “de onde vim?”, “pra onde vou?”, “o que será que Deus espera deste ser tão pequeno em face do mundo que é tão grande?”, “pra que é que eu sirvo nesse jogo onde se perde e se ganha sem entendermos por quê?” – perdido em Filosofias, sou mais um que olha as estrelas no céu escuro da cidade onde nasci.

E nessas digressões filosóficas, vou revendo a minha vida inteira, como se disso dependesse a continuidade da minha própria existência, e me lembro de coisas há muito tempo sepultadas, esquecidas e guardadas, no baú da minha memória e nas esquinas do meu coração.

As coisas mudam! – para o meu espanto é a essa conclusão que chego. De minha memória saltam antigos inimigos – hoje tão inofensivos que chegam a me provocar risos. Onde eles estão? Provavelmente alguns estejam perdidos, outros ricos, uns quem sabe morreram de tanta maldade, talvez tenham se convertido a uma nova religião, ou se enveredaram por caminhos diferentes dos meus – afinal o mundo é grande, muito maior do que eu supunha quando menino. O ódio que esses inimigos antes me despertavam já não existe mais. Tudo passa!

E dos meus grandes amores o que é que sobrou? A primeira, a segunda, a quinta, a oitava namorada: o que sobrou delas todas a não ser as lembranças – boas e más – que carrego, vagamente, e que me agradam, me divertem, me enchem de ternura, mas que em verdade não fazem qualquer diferença. As coisas mudam, tudo passa. Eu – aos vinte anos – sofri tanto de amor por causa de uma menina – que tive vontade de matar e de morrer. Para mim, aquela menina seria a minha vida e não haveria outra menina que pudesse ocupar plenamente o meu coração. Grande tolice. Depois dela, houve outras, sempre haverá outras, e por amor a gente não mata, nem morre: por amor, a gente vive. E nada mais.

O que sobrou daquele menino que aos quatorze anos lia o Manifesto Comunista e se declarava seguidor de Marx, fervorosamente, e que tempos depois conheceu a Social-Democracia e hesitou entre o Socialismo Utópico e a Anarquia? O que é que sobrou dele depois de ser cooptado pelo Sistema vigente? Até hoje ele não sabe – afinal de contas – qual é o lado mais correto dessa História, já que por todos os lados surgem crianças famintas, a mendigar o pão num solo fértil de mais de oito milhões de quilômetros quadrados. Há coisas que não mudam. Tudo passa? Quem me dera saber as respostas, não haveria em mim essa angústia, esse sofrimento, esses olhos baixos, essa desesperança.

Perdido na noite escura, a olhar as estrelas, passaram diante dos meus olhos os cinco anos de Direito que estudei na Faculdade Curitiba. Ciência linda, teoria bem estruturada e essa impotência de ver a Lei sempre a serviço dos mais fortes. E essa vontade de querer mudar o mundo na pele de um novo Dom Quixote. Só Deus conhece as agruras que passei por sempre dizer a verdade, buscar a Justiça e não transigir um só instante. O homem debaixo das estrelas traz o coração ferido por espinhos que contra ele foram lançados pelos maus. Se me matarem, não matarão mais do que um homem. Peito aberto na noite, lembranças que fluem, eta vida besta, meu Deus!

Ensino a língua pátria numa pátria de alienados. Muito do que eu ensinei se perdeu ou foi pouco aproveitado. Objetos diretos, indiretos, complementos nominais, orações subordinadas substantivas subjetivas, núcleos do predicado: na verdade, nem eu mesmo sei pra que é que servem tantos nomes, tantas teorias, tantas palavras se a gente – diante da vida – se cala e segue adiante sem dizer mais nada. A vida é uma ordem, sem mistificação! Mas quem sabe ainda um aluno que passou por mim não vá fazer a grande diferença, dizer a palavra exata que não foi dita e mudar o mundo? Por isso ensino: a esperança não deve se extinguir jamais.

Uma noite inteira perdido em Filosofias. A noite que caíra, negra, começa a dar lugar ao dia, vermelho, que nasce no horizonte. E de repente eu – que passara a noite imerso em amarguras e desesperanças – percebo, diante dos meus olhos, a grande resposta de Deus às minhas dúvidas.

Eis que diante dos meus olhos, a noite negra encontra o vermelho do dia e essas duas cores se unem formando uma imensa faixa de luz no céu da cidade onde nasci. “De onde vim?”, “pra onde vou?”, “o que será que Deus espera deste ser tão pequeno em face do mundo que é tão grande?”, “pra que é que eu sirvo nesse jogo onde se perde e se ganha sem entendermos por quê?” – todas as perguntas obtêm respostas nesse instante mágico de luz vermelha e preta.

Vim de onde a terra dá Cajus; vou pra onde o Atlético estiver; pois Deus me colocou pequeno no mundo grande para que eu fosse só mais um – em um milhão – a cantar o hino que emociona:

“Atlético, Atlético!
Conhecemos teu valor
E a camisa rubro-negra
Só se veste por amor!”

As coisas mudam, tudo passa! Só o Clube Atlético Paranaense é que continua eterno, nas manhãs que nascem vermelhas e pretas em Curitiba, a cidade onde nasci para cumprir o destino que me foi reservado por Deus: ser atleticano nesta terra que dá Cajus, ser mais um – em um milhão – a cantar o hino que emociona e ser mais um a escrever a História que completa 83 anos, mas que vai durar para sempre!



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