‘Uma Cara’, the movie
Não sou católico, mas me perdoem.
Ontem, para não perder a escrita, juntei-me à familiagem para ‘assistir’ o último capítulo da famigerada novela derradeira da vez. Só pra encher o saco da patroa, perguntando tipo ‘quem é quem’, ‘por que isso’, ‘por que aquilo’, etc. Todo final de novela das oito (que começa 21:15) lá estou eu a incomodar. Até ser expulso da sala ou até resolver me mandar.
Como disse o Léo Jaime: nada mudou. Na verdade, o mote é o mesmo: adultério, caras sem camisa, gostosas semi-nuas, assassinato sem dono, filho que não sabe o pai, pobre namorando com rica e para completar o ingrediente final, acrescentam neste ‘molho’ falsosamente acridoce o preconceito da hora: ora racismo, ora deficiência física, ora doença, ora gay. Não foge disso.
E o povão gostha! É a única semelhança existente entre todas as classes sociais tupiniquins: a paixão pela ‘trama’ da vez encenada no complexo Botânico carioca. E não interessa o conteúdo, vale tudo. Venha o que vier.
‘-Vâmo assistí! E calaboca todo mundo qui tá na hora da novela, porra!’ – isso ecoa fiel e solenemente em todas as noitinhas em milhares de lares do país afora. De norte a sul, leste a oeste, dizem que novela tem a cara do Brasil. Me perdoem, eu não sou católico.
Vamos lá: personagens? Não me façam rir. As ‘personagens’ são escolhidas segundo dois critérios: ou pela plástica, ou de acordo com o ‘ator’ que se deseja apresentar. Percebem a inversão? Primeiro se escolhe um ‘ator’ e depois joga-se a ‘personagem’ nele (montam a estória baseando-se nas pessoas físicas, nada de ficção, fazem tipo ‘vamos botar a Renata Sorrah aqui e o veadinho X ali, depois arrumamos nomes pra eles e o que fazer, de acordo com a personalidade de cada um; o Ibope ditará a sequência’), resultando numa explícita e eterna PREVISIBILIDADE. Ponha uma ‘personagem’ qualquer destes aí numa outra novela, e não fará diferença alguma, tamanha é a igualdade de ‘interpretação’ que os mesmos perpetuam; melhor: não se interpreta, basta ser como se é na vida. Ou seja: não há mais a dramaticidade que se exige na sétima arte, muito menos no teatro, evidencia-se sim a ausência absoluta de composição de ‘personagens’. Mas o povo gostha. Asssite e manda a gente calar a boca.
Esta PREVISIBILIDADE é a irmã gêmea do perfil mor da sociedade nacional dos guaranis: CONSERVADOR. Ninguém ousa inventar. Querem sempre mais. Mas mais do mesmo. Se assim está bom, pra que melhorar? O povo gostha! E eu continuo não católico.
Tenho nojo da Rede Globo. Novelas me dão ânsia. Seu ‘jornalismo’ é capcioso. Cheguei a pensar certa feita que, por me ver assim, seria eu doente, em virtude de ser diferente da multidão. Mas não. Hoje, acho que deve ter mais gente pensando como eu.
Pensando que novela é coisa fútil. É prova de falta de cultura. Carência total de educação. Reflexão pra quê? Ditames arcaicos que se intitulam modernos, a vomitar modas, cortes de cabelo, novos hábitos, apelidos, gesticulóides, modelos de conduta, produtos em voga, tudo em nome do entretenimento: mentira, ou seja, a versão declarada do propósito da telinha global é a diversão em família. Mas não passa de um reles e paupérrimo discurso.
Discurso para ignorantes dormirem. Dormirem depois de assistirem os capítulos. E comprarem os produtos oferecidos nos intervalos. E dormirem sem sonhar com o amanhã. Porque o amanhã já está pronto, tem mais novela. E assim está bom. Veremos as mesmas coisas de hoje, ontem e já antecipamos o futuro. A vida real é a vida que passa na telinha. Na telinha da Globo. A exemplar rede de comunicação que ‘bem orienta’ os caminhos da sociedade, via novela das oito e Jornal Nacional. Tem ainda o Linha Direta. Não pense que a vida aqui fora, a sua vida, está certa: se você estiver fazendo ou pensando algo diferente do que rola dentro da tv, cuidado: você está errado, é brega, petista ou maníaco.
‘-Quero ver o casal Nardony na cadeia! Nem quero saber de ampla defesa nem contraditório. Imagine falar de princípios gerais da Constituição numa hora dessas! Isso é coisa de Advogado de porta de cadeia! São criminosos, eu não sou e nunca serei! Olha lá: olha lá o sangue que ele deixou na tela da janela! Veja como a criança caiu, olha a boneca pendurada! Vai cair!’
Enquanto isto, nossas crianças passam na sala, com paúra no olhar, achando em suas pobres cabecinhas que isto pode acontecer com elas. E temos que explicar que o mundo de verdade não é assim. Que existem outros interesses nesse JOGO televisivo. Mas não explicamos a verdade real. Porque ainda é cedo. Cedo para elas, tarde para nós, porque muitos ao nosso redor não aprenderam ainda. E continuam gosthando de novelas e do JN. E do Linha Direta. Fãs do BBB, veneram a dança dos famosos e a culturalidade do Fantástico.
D’outro lado, explicamos ainda aos nossos ‘enfants’ que aquela ‘atriz’ de Curitiba (Guta, a Guta Profunda), que fazia a propaganda verde na tv marrom é uma coitada, que precisa dinheiro para sobreviver no mundo da dramaturgia global fazendo bicos em propagandas de qualidade não duvidosa, anunciando a ‘paixão alviverde’ como verdade. Só que é a mesma ‘verdade’ do Fantástico, da novela, do JN e do Linha Direta. Tão gostosa quanto à pizzaria de gordo Fausto.
Importante é discernir tudo isso. Saber onde nos encontramos. Saber as reais intenções dos homens fortes do capitalismo global nacional e seus poderosos vínculos econômicos, dos homens fracos do provincianismo coxal local e seus caquéticos vínculos mesquinhos.
Amigos, não acreditem na tv. Não por ela não ser atleticana, mas porque é tv. E nunca será um meio idôneo de comunicação. Não tenham fé quando eles dizem que o negócio é ‘duas caras’: a ‘cara’ deles é uma só! ‘Cara’ cuja fácies é parentesca da Gazeta do Povo: pudera, mesma família…
Isso tudo que eu disse aí em cima é uma coisa. Outra coisa, é quando a nossa vida aqui fora vira novela. Novela em busca de audiência. E isso é problema.
Problema porque a audiência é cruel: não mede esforços nem escrúpulos para alcançar os índices exigidos pelo mercado, leia-se ‘anunciantes’. Então a idéia é condicionar os telespectadores, acuá-los, a ficar em casa por causa que lá fora é perigoso. Dá medo ir ao cinema, à livraria ou ao teatro. Esqueçam da casa dos amigos. O negócio é se trancafiar em casa. A tv traz tudo. No máximo, peça uma pizza, mas coma-a assistindo televisão. Vá ao banheiro rapidamente, nem se limpe direito, não há necessidade de limpar as necessidades. Quando sair, o faça com muito cuidado, toda atenção para chegar ao shopping e comprar aquilo que se mostra no plim-plim. Consuma, e deixe a tv ligada.
As notícias virão prontas, uma atrás da outra, nem precisa refletir, pois não dá tempo mesmo para tal superfluidade. Os bandidos estão aí fora, o Linha cumpre uma função sociológica na busca deles. Deixa o inquérito policial pro Fantástico. A sentença será inicial e decretada pela Rede: nem precisa do instrumento do Processo Penal, viva a Inquisição e a penalização, abaixo a maioridade penal e o arcaico Código Penal Brasileiro! Queremos justiça!
‘-Livros, nem pensar! Para que buscar autores se Rafinha é o nosso herói, exemplo de vida, veja: ganhou três carros, e um ele deu pra fulana!’ – Quando você aí da poltrona ganhar três carros, faça como Rafinha: dê um pra alguém.
Voltando – posto que a indignação é tanta que até me desvia na estrada – não dá pra conceber a novela fora da telinha. Ainda mais dentro do Atlético. Talvez seja influência desse paradigma novelístico sobre o inconsciente de nossos dirigentes, levando-os à PREVISIBILIDADE, via CONSERVADORISMO.
Traduzindo: não se pode mais criar ídolos no Atlético. Eles duram pouco, mas muito pouco. Washington & Assis, Ozeas. Fabiano, Lucas, Kleber. Fernandinho, Jadson, Coração Valente. Marcão e Paulo André. Alex Mineiro. E principalmente Davi FERREIRA. O CONSERVADORISMO da praxis da Diretoria aduz uma PREVISIBILIDADE de que não se pode sonhar com ídolos aqui: raramente nosso convívio passará de um ano. Todos irão embora. Não se fará nunca mais um Pelé ou um Zico da vida (fiéis a uma só camisa): todos são comercializáveis e deixe que a sorte do destino trará ou não outros experimentos (jogadores) que podem ou não se tornarem craques, quem dirá ídolos: alea jacta est.
Mas não os entendam como. Porque apenas será eterno enquanto durar. Mesmo que seja por um só ano. Então o próximo que estiver jogando bem, classifique, rotulando-o como bom, mas não ídolo. Porque aí o baque será maior, na hora da fatal ‘negociação por força do mercado’.
Não aguentei, nem consegui passar da abertura da novela de hoje: o sistema é podre demais! Levantei e vim escrever. E tenho que tomar cuidado, muito cuidado. mas quem me avisou não foi a Globo. Fui eu mesmo.
Cuidado para não deixar que a vida vire uma Zorra Total. Aí, meu amigo, é pedir pra parar o mundo que eu quero descer.
Acabem logo com essa ‘novela’ do Ferreira. Vendam de uma vez, não fiquem dando esperanças para os coitados de nós, os coitados que acham que ainda torcerão pelo último ídolo do e no Atlético.
Alteridade, sei. Sei porque respeito católicos, evangélicos ou qualquer outra religião. Sou espírita. Também tenho algum tipo de fé.
Mas não brinquem com ela. Porque eu não gosto de novela. Vou dormir pra sonhar com o amanhã. Não vou ver o jogo do time do Anão Gaúcho. A minha seleção é o Atlético, portanto, meu único e bastante time de futebol, para quem eu torço na vida real, aqui fora, dentro do meu coração.
Sonhar para que não transformem o Atlético numa ‘cara’. Para que respeitem a alma ofensiva do Atlético. Para que a vida de nós Atleticanos, seja muito mais do que era antes e do que não está sendo agora.
Ainda dá tempo. Estou aqui. Bem longe do Rio. Longe de São Paulo. Longe da Mauá e da Mamoré. Tomara que haja doentes como eu. Tomara que odeiem novelas e suas contingências…
A primeira que eu assisti foi Cavalo de Aço. A segunda e última, Pantanal. Será que vou ter que ceder e ser obrigado a ver agora ‘As Mil e Uma Noites’? Alá, meu bom Alá: mande água para Ioiô. Mande água pra Petraglia.