Faísca atrasada genética ou mediúnica indignação?
No final do ano passado (2008), quando o nosso Atlético estava caminhando a passos largos para a segunda divisão antes, pois, da chegada do Geninho -, após jogarmos contra o Fluminense na Arena, escrevi o texto a seguir:
Faísca atrasada genética ou mediúnica indignação?
Meu querido e saudoso pai, que há muito tempo partiu desta nossa dimensão para residir em outra seguramente melhor e mais bonita, era uma pessoa incomum; não vou falar de seus inúmeros predicados, pois suspeito sou para tal, enquanto seu filho e, antes, maior fã. Vou falar somente de uma característica curiosa que ele tinha, para não dizer engraçada: cada vez que lhe era noticiado algum acontecimento que, de certa forma, implicaria prejuízo ou mesmo dissabor para ele, sua primeira reação era de incrível calma, compreensão e até de aceitação; passados alguns minutos, todavia, ele literalmente explodia, não de maneira exacerbada ou violenta, mas de maneira a demonstrar todo o seu aborrecimento, indignação e frustração.
Certa feita era uma segunda-feira-, eu estava voltando de uma viagem que fizera a Santos/SP, onde morava a minha então noiva e hoje ex-mulher. Tomei um táxi na Rodoferroviária , após desembarcar do Penha, para ir para casa lembro-me também de que estava com uma azia estomacal terrível nessa ocasião, certamente adquirida na parada obrigatória do ônibus no antigo PetroPen, após ingerir um daqueles famosos e letais salgadinhos que lá eram então vendidos aos esfomeados e incautos glutões, em cujo rol eu me inseria-. Acho que o falecido e engraçadíssimo Zé Vasconcelos, quando batizou uns salgados que ele uma vez comeu como Jesus me espera, Passaporte pro inferno e Último tango, estava se referindo a salgados como aqueles que comi no PetroPen…
Ao passar pela rua doutor Faivre, em meio ao trajeto para minha casa, do interior do táxi, dei uma olhada como sempre fazia- no imóvel onde hoje está localizado o edifício Camilo Alves Vianna (meu avô), que, a esse tempo, ainda era de propriedade do meu pai.
Na época, tratava-se de um terreno onde somente havia uma pequena casa de madeira construída nos fundos e que, exatamente naquela semana em que viajei para Santos, iria ser desmanchada por meu pai para aumentar uma modesta casa de veraneio que tínhamos na praia de Matinhos.
Quando olhei para o terreno e não vi a casa de madeira que lá existia, logo pensei: bom, o velho levou mesmo a madeirada para a praia.
Quando cheguei em casa, ainda cedinho, meu pai já estava na cozinha saboreando um cafézinho com biscoitos salgados e, ao me ver chegar, convidou-me para sentar à mesa com ele.
Sentei-me e começamos a prosear.
Lá pelas tantas, eu disse a ele: pois é, quer dizer que a casa foi mesmo para a praia, não é pai? Ele me olhou e sorriu discretamente, respondendo-me: ora filho, que estória é essa? Eu então disse: bom, pai, acabei de passar por lá de táxi e a casa não estava mais lá não! Ora ele então falou-, mas é claro que está lá…você é que, certamente, não olhou direito.
Entretanto, como eu tinha a mais absoluta certeza de que a casa não estava mais lá, voltei a afirmar isso ao meu pai.
Daí para a frente, foi um tal de a casa não está lá e de você é que não observou direito que, ao final, meu pai disse-me calmamente: filho, então vamos até lá agora; aproveitamos para dar um passeio de carro e resolvemos de uma vez esse teu equívoco. Ah…disse-me ainda lembro-me perfeitamente-: se -o que é improvável-, você estiver certo, o que se há de fazer, meu filho, acalme-se, mais tem Deus para dar que o diabo para tirar, relaxe rapaz, essas coisas acontecem. E o discurso dele em verdade, quase uma oração de puro despreendimento humano-, não cessou e nem se modificou em nada durante todo o nosso deslocamento até a rua doutor Faivre.
Quando lá chegamos, verificamos que, realmente, a casa não estava mais lá por incrível que pareça, ao depois fomos informados por vizinhos que, tarde da noite do sábado anterior, havia estacionado defronte ao imóvel um caminhão, de onde saíram vários homens que trabalharam a madrugada inteira, desmontaram a casa e a carregaram no caminhão, retirando-se dali quando o dia já clareava-.
Os vizinhos somente não telefonaram para o meu pai avisando-o a respeito porque também sabiam de ante-mão que a casa iria mesmo ser demolida por meu pai para ser reconstruída no litoral; acharam tudo aquilo, então, até certo ponto normal.
A verdade, meus caros, é que a casa foi mesmo roubada, ou, mais precisamente, furtada penso que esse seja um dos raros casos de furto de uma casa inteira acontecidos desde que o mundo é mundo-.
Diante de tudo, meu pai olhou para mim e disse: filho, vamos voltar para casa…o que está feito está feito…vamos retomar o nosso cafezinho e os nossos biscoitos. Eu disse: tá bom, pai, então vamos lá.
Chegamos em casa, terminamos o nosso breakfast e , em seguida, já perto da hora do almoço, meu pai foi ao armazém da esquina, bater um papo com o proprietário do estabelecimento, seu ex-colega de farda.
Por volta de 13:30, meu pai voltou, passou por mim e disse: a bóia já vai ser servida ou já foi e eu perdi a hora? Respondi: pai, eu já almocei, mas a mãe deixou um prato feito para você no forno. Ele disse: então vou lavar as mãos e já volto.
Quando retornou, sentou à mesa, almoçou com vagar como era de seu costume- e, decorridos mais ou menos uns vinte minutos após o término da sua refeição , deu um inesperado murro em cima da mesa e bradou: NÃO HÁ DE VER QUE OS FDP LEVARAM MESMO A CASA INTEIRA??? POLÍÍÍCIAAAAA!!!, FILHO, LIGUE JÁ PARA A POLÍCIA, AVISE A PREFEITURA, A POSTO DA POLÍCIA RODOVIÁRIA, O INPS…MISERÁVEIS, LADRÕES, CRETINOS…ISSO NÃO VAI FICAR ASSIM NÃO!!!
Bom…por que contei essa longa e incrível mas verdadeira- estória? É o seguinte: sempre que escrevo no Fala até porque tal corresponde à minha maneira de ser-, procuro não criticar, não ser áspero com ninguém e não pedir cabeças, mas sim incentivar e conclamar à luta os meus irmãos atleticanos, apesar de todos os pesares, em prol do nosso estimadíssimo Furacão até por acreditar que, em verdade, pegar no pé de todo o mundo, a esta altura do campeonato, não vai ajudar em nada-.
Estava eu agora prestes a escrever mais alguma coisa nesse sentido enquanto ouvia um programa esportivo de rádio.
De repente, parei de escrever e comecei a prestar atenção no que os caras estavam dizendo (o Atlético estava ganhando o jogo e, de repente, sem qualquer necessidade, ponte aérea de goleiro feita por um ex-jogador do fluminense dentro da nossa área, cometendo penal contra nós -esse cara, para não dizer outra coisa, deve ser, no mínimo, um desequilibrado- ; em seguida, outro ex-jogador do fluminense fazendo outro penal em nosso desfavor; depois, três ex-atletas saindo do jogo por absoluta impossibilidade física de participar de um jogo de primeira divisão do futebol brasileiro e que, aliás, não enfrentam o Internacional, contra quem jogaremos o nosso próximo compromisso-; jogador que, antes do jogo, ao saber que iria ficar na suplência, pura e simplesmente foi para casa, emprestando o carro de outro que ficou no banco mas que não se negou a emprestar o carro-; etc., etc., etc…).
De súbito, uma estranha, profunda e inesperada indignação me assumiu por inteiro, porque pensei: é verdade, o que foi que acabaram fazendo com o nosso Atlético, meu Deus!!! Quanta irresponsabilidade!!! Quanta falta de respeito com a nossa torcida!!! Mas que tragédia, afinal, isso tudo significa!!! NÃO HÁ DE VER QUE OS CARAS DEMOLIRAM MESMO A CASA INTEIRA??? SOCORRO!!! POLÍÍÍCIAAAAA!!! AVISEM OS VERDADEIROS ATLETICANOS DE PLANTÃO!!! VAMOS DERRUBAR A BASTILHA!!! INSENSATOS!!! IRRESPONSÁVEIS!!! ISSO NÃO VAI FICAR ASSIM NÃO!!!
Caros irmãos rubro-negros, quem me ensinou a amar o nosso Clube Atlético Paranaense foi o meu falecido pai…
Querido e saudoso velho, entendi o teu recado. Se puder, de você onde estiver e, certamente, você está bem mais próximo de Deus do que nós-, peça a ele, em oração, para proteger e amparar o nosso Atlético nessa sua caminhada final.”
Curiosamente, como vimos, o Atlético somente retomou recentemente a sua normalidade após haverem sido barrados os dois ex-atletas do Fluminense referidos no texto acima e negociados os outros dois que também participaram daquele lamentável episódio o que abandonou a concentração e o que emprestou o seu carro para que o primeiro o fizesse – ….ah… e o Fluminense, hein? Pois é: presentemente, é o lanterna do campeonato e, segundo muitos, não escapa este ano da degola…
Querido velho: eu sabia que você, pela pessoa que sempre foi enquanto morou por aqui, só poderia mesmo ter intimidade com o nosso bom Deus; somente não imaginava que fosse tanta!!! Valeu!!!