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29 ago 2009 - 18h52

Wallyson & Wally Gator

– “Wallyson recebe um bolão de Alex Mineiro, corre pela ponta, passa pelo zagueiro e chuta… NA TRAVE!” – narrou o radialista. O da TV diria: “Garoto recebe do menino, mexe nela dá um tapa e… pra fora essa bola!”. Wallyson lamenta e olha para a torcida… pensou num momento:

– “Por que no te sentas, jacaré? Se jacaré comprou cadeira…”

Assunto nem tão polêmico, mas ultimamente repetido aqui neste sítio: a aquisição de cadeiras pelo plano sócio-torcedor, no tocante ao seu respectivo USUFRUTO. Ainda bem que podemos pensar diferente dos outros, às vezes até de uma maioria. Começarei pelo início.

A ELITIZAÇÃO do esporte implementada pela FIFA. Resolveram restringir o acesso aos estádios, limitando-o às classes A e B, no mundo inteiro, em nome do modelo “padrão” ditatorialmente imposto. O fim das gerais, a obrigação da instalação de cadeiras por toda a arquibancada, que hoje nem mais pode se chamar assim, pois as “bancadas” sucumbiram para dar lugar aos assentos. Esta foi apenas uma das excludentes e sectárias medidas da entidade máxima do desporto, culminando no verdadeiro “apartheid” dos gramados: eles lá, nós cá. Ou vice-versa.

Criou-se o estereótipo do “bom” torcedor: é todo e somente aquele que pode pagar, contribuir mensalmente com seu Clube, merecendo em troca conforto e alguns direitos por isto. Como conforto foi estabelecido que todo sócio não precisaria enfrentar filas para a aquisição dos ingressos, e ainda teria o seu bonitinho e quadrado lócus disponível a qualquer hora do evento, nome estampado. Como direitos, o de votar após determinado tempo de associação e o de nem ir ao campo quando não quiser. Louvável. Teoricamente.

Sou de um outro tempo. Quem não o viveu não pode sequer comparar. Na minha época, sentávamos diretamente na arquibancada, podendo muitas vezes nos escarrapachar como se estivéssemos em casa. A coisa só ficava difícil nos jogos de grande porte, os decisivos. Mas na hora do jogo, aquilo sumia: gol, todo mundo pulava junto, mas nada a ver com a enrabação gremista.

Lembro de quando mandávamos os jogos no “Belfort Duarte”. O terceiro andar era só para os casaizinhos. Fosse a empregada da vó, a caixa do super, a atendente da padaria, a vizinha de trás ou a coleguinha de classe: que maravilha, unir o agradável à sacanagem. Bolas entravam em todo lugar. Mas impedimento, defesas, correria, compromisso só no gramado, lá em cima não. Lá era uma Pasárgada: liberdade, ataques, a calma e o tanto faz do amor descartável. Ai como era grande. Chegar cedo, sair tarde, por ter sempre de esperar “secar” a roupa. E às vezes não chovia. Bons momentos eu passei naquele antro: um verdadeiro animal vestido de adolescente. Haveria de ter alguma compensação o sacrifício de não se poder ir ao estádio do próprio time. E houve. Alguma.

No Joaquim Américo aquela alegria. Bucólico, campestre, romântico. Chegar cedo e sair tarde, mas por outros motivos. Encontrar os amigos, TODOS os amigos, tomar aquela gelada e depois, JUNTO com TODOS eles, assistir aos jogos. No intervalo, aquela tradicional mudança de lugar: quase procissão, a caminhada atravessando o estádio até o gol do adversário, parar para a mijadinha e mais cerveja, num misto de atleticanismo, fé, sentimento, exercício físico/mental e melhor visibilidade. Encontrando, cumprimentando e falando com os outros colegas no trajeto. Buscar um lugarzinho diferente e encontrá-lo. Esperança renovada, era como se fosse outro jogo. Já foi. Última forma.

Em primeiro lugar, preciso saber quem ainda sustenta que estas cadeiras atuais são confortáveis, espaçosas, democráticas, ergonômicas. Muito provavelmente seja quem as fabricou e vendeu. Em segundo lugar, hoje não se pode comemorar muito, arrisca despencar lá de cima, vertiginosamente feito alpinista amador, levando consigo os de baixo ainda. Nosso espaço foi reduzido, e até os “quem não pediu que me pida” vazaram por causa disto. Pode pular, mas só para cima e reze para cair no seu quadrado, de 40x40cm, o que na verdade é um dos seus deveres de sócio. Treine em casa antes de ir pro jogo, saltando sobre de uma tampa de caixa de bota feminina.

O Atlético seguiu as normas da FIFA. Mas pouca gente segue as normas da boa educação. No beiral e nas escadas, gente se amontoa feito puleiro. Questiona-me a legitimidade da presença destes jacarés nestes locais. Aí o cara da primeira fila tem que levantar. O da segunda também e assim por diante, tipo dominó. Fica difícil sair durante o jogo porque tem um monte de gente pelo chão, como se fosse o lotado umbral do vale dos suicidas (vide “Amor além da vida”, com Robin Williams).

Outra que dói: chegar na sua fila e encontrar um desconhecido em sua cadeira, feliz e saltitante como titular do pedaço. Seu dever de sócio manda que você peça educadamente ao malandro para se retirar. Você põe a mão no bolso para provar que você é o dono:

-“Dá licença, cidadão, que esta cadeira é minha…” – repete quase sempre o benemérito sócio.

-“Vá se fod**, meu! Senta aí do lado e não enche o saco.” – agulhou o marginal invasor.

Aí você sai à procura do segurança. Porque você foi lá para assistir ao jogo e não para dar porrada. Quando volta, o cara já desceu uns quatro degraus, e continua lá, saltitante e feliz como titular de outro pedaço. Além do quê, o jogo já começou. Você senta, olha pra frente e todo mundo está de pé. Então você tem que subir na sua própria cadeira. Olha para baixo e se pergunta por que não fizeram logo um dispositivo apropriado para os pés e não para a bun**. Mas aí você se liga no jogo e esquece. Quando sai do estádio, suas costas, pernas e pés lembram sem parar que você assistiu ao jogo inteiro em pé, feito totem indígena ou espantalho na roça.

E você não é um jacaré! É humano e tem o polegar opositor. O polegar que faz parte da mão do seu vizinho que teve que dar uns tapas no sem-cadeira que tinha ocupado o lugar dele. Da sua mão que limpa o suor da sua testa após ter xingado um malaco parasita destes em outra ocasião parecida. Enfim, é uma aventura se aproximar da sua cadeira: você nunca sabe o que lhe espera. Emocionante, não?

Isto sem falar quando seu vizinho falta e vem um amiguinho do Richarlyson sentar do seu lado. Aquele cheiro de Pacthouli de fazer regurgitar o sanduba de pernil que você recém engoliu a seco, porque não tem mais cerveja. Paulo Baier bate a falta e a frutinha pula em cima de você para comemorar, passando de leve a mão na sua bun**, que está de pé porque não sentou. Mas você não tem espaço para dar um soco nela (na bichinha), porque seu dever é ficar dentro dos 40x40m. Então você sai dali para evitar que a câmara flagre sua ilícita lesão corporal dolosa. Vai tomar uma água, porque não tem mais cerveja. Do bar, vê a bichinha entrando no banheiro, à sua procura: no conceito dela, você gostou e está a fim. Você volta correndo pro lugar, passa álcool gel nas duas cadeiras e sobe pondo um pé em cada uma, cruzando os braços a la bad boy. Que viagem…

Também tem aquele corneta que levanta toda hora para reclamar até do Paulo Baier. E ainda os fumantes inveterados que baforam veneno diretamente nos seus pulmões: a patroa em casa acha que você foi no bar ou na casa de massagem, por estar fedendo tanto assim quando chega em casa. Não esquecendo do sujeito fã de um Danilo da vida, que você simplesmente abomina: todo jogo lhe olha torto, isto quando não parte para a ignorância. E por último o bêbado lá de trás que cospe saliva na sua nuca a cada berro. Tudo isso acontecendo e você dentro dos seus direitos de 40x40cm. O que acontece em volta, não é problema seu, está fora da sua jurisdição, competência, portanto “cala-te”, seu mortal.

Mas o maior paradoxo é os jacarés que ficam de pé nas cadeiras. Isso é simplesmente o cúmulo da ignorância. Depredação do próprio patrimônio, pois há a suposição de que quem está ali trepado é sócio também. São os mesmos que quebram vidraças dos ônibus, arrancam galhos das árvores, atiram nas placas de trânsito, jogam lixo nas ruas e passam tatus (bode, meleca, ranho) no próprio sofá de casa: questão de consciência, ignoram o que seja público. Simplesmente por achar que não é deles, que nada lhes custa.

Para uns, meras especulações as minhas observações. Para outros, pura realidade. Quem sou eu então? Sou um sócio virtual, pois pago o mesmo para assistir aos jogos em casa, no conforto do meu lar, cujo espaço reservado para torcer é muito maior do que 30x30cm. Não sou idiota e reconheço que preferiria estar no estádio, onde ainda discretamente vou às lágrimas quando o time entra em campo. Só que, nestas condições atuais, me nego veementemente a passar por determinadas situações, porque sou adepto do bom senso. Emoções in loco, são incomparáveis às via satélite, além dos percalços referentes a narradores, comentaristas, propagandas e péssimas filmagens. É o meu preço por não estar lá.

O Atlético seguiu as normas da FIFA. Até onde ela manda. Depois dali, vire-se se houver problema de natureza semelhante, porque não há segurança (guardas Twiddles) para todos. Conclusão: este sistema de cadeiras numeradas é simplesmente FALHO! Muito bonita a organização vendida no papel, nem tanto o exercício desta prerrogativa.

E a solução é demasiadamente SIMPLES: a adesão deveria ser SETORIZADA. Compre o título de sócio e tenha o direito de assistir os jogos na “Buenos Aires”, por exemplo. Ou na Getúlio. Já que é obrigatório separar (melhor se fosse acesso TOTAL), teríamos a Arena dividida em 4 quadrantes, sem subdividi-la em superior e inferior. Tenha acesso a qualquer lugar dentro do seu quadrante. Assista os jogos com TODOS os seus amigos, ou pelo menos mais deles. Possua um trânsito mais livre no estádio. Quem sabe sua cara-metade está por lá e você ainda não a encontrou, por causa das marcadas. Isso, mude de lugar a hora que quiser. Um dia vá lá em cima mostrar o dedo médio para o Galvão, outro fique lá embaixo e apareça na transmissão ou xingue o Tcheco bem de pertinho. Aproxime-se do lado do gol adversário. Ande, mova-se, em direção ao Atlético. Não fique estagnado como um sem-terra que recebeu um minifúndio oriundo da quelônia reforma agrária nacional.

Seus amigos devem ser um pouco parecidos com você. Reúnam-se e escolham um setor: ou BA, MM, GV ou BI. Pronto, ponto final. Não esquecendo de que o Clube não pode vender toda a capacidade dos setores, reservando parte do nº de cadeiras para quando você quiser levar alguém de fora, por exemplo, ou para turistas. E para aqueles que não podem assistir a todos os jogos, os “sem-pacote”. Ou ainda se você se separar e reencontrar a moça da padaria, a reviver aqueles tempos da vaselina, convidá-la para ficar na curva, atrás da coluna do elevador, lá onde vampiro dorme porque o sol nunca chega.

Enfim, enquanto não houver esta modalidade de liberdade para assistir jogos na Arena, fico por aqui. Pode ser utopia minha, mas é muito mais racional do que o sistema atual. Entender que o povo do Brasil e da América Latina é diferenciado do resto do mundo, dos europeus principalmente. Aqui há mais calor humano. Lá não há problema neste sistema, pois são todos frios. Frios a ponto de acabar com as gerais. Pois lá eles não têm as necessidades sociais que nos afligem. As agruras da realidade social deles são ínfimas comparadas às nossas dimensões de direitos que não desfrutamos. Nossas veias abertas ainda estão sendo suturadas, nas deles corre sangue azul.

Aposto que Joseph Blatter desconhece uma geral. Nunca assistiu a um jogo de pé, nem precisou tocar ninguém do seu lugar ou arriscar sentar ao lado de um obeso. Da imponente luxúria dos camarotes, é fácil arrotar diretrizes e regulamentos para a patuléia, pois na privacidade da sua poltrona, tomando goles de cevada ou legítimos “on the rocks” escoceses, a vida desce muito mais redonda. Numeradas são coisas para teatro. Lá, só precisa segurança na entrada, não há competição. Numeradas são compatíveis com espetáculos de 3 tenores e não com peladas de 22 jogadores. Ou para pagar absurdos para ver o “rei das emoções” bregas plagiadas do povo rio-platense.

É preciso que os sócio-torcedores sejam tratados mais como torcedores, porque como sócios não está dando muito resultado. Haja vista as reclamações por aqui, e não sou eu quem as faz. Não se pode confundir o fato de TER bunda com a alcunha de SER bunda: torcedores têm bunda sim e precisam sentar-se acomodadamente, ver o jogo claramente. Não podemos ser tratados como jacarés. Talvez assim até a renda pudesse aumentar, bem como o nº de torcedores do Atlético, que estão latentes aí fora.

Se você é conselheiro e não freqüenta camarotes, sugira isto na próxima reunião: geralzinha a preço módico, setorização em quadrantes, reserva de ingressos para novos expectadores. Aposto que tem muita gente do lado de fora que gostaria de conhecer a Arena, sendo hoje ainda torcedores em potencial. E tem gente como eu que aguarda mais liberdade para torcer, torcer lá dentro. Até porque a Constituição Federal garante o direito de ir e vir (art. 5º, i XV, bem interpretando-o). Mesmo que isto seja uma utopia. É bom pensar como Tomas Morus, mas deixando de lado a influência de Platão, para não ficar apenas no “mundo das idéias”.

E vamos torcer pela volta da gelada, é claro. Porque o dia em que a FIFA ou sua filha bastarda CBF forem exemplo referencial de cartilha de condutas morais para a humanidade, eu me mudo deste mundo. Adeus, Ricardo Teixeira! Vou-me embora, mas não para Pasárgada.

[A concepção da ilha de Utopia está toda enraizada em duas idéias: a não existência da propriedade privada é a primeira. A segunda é o alcance dos interesses individuais, entendido como apenas viável, se feito através do preenchimento prévio das necessidades coletivas.]

Nesta obra, não havia jacarés. Hoje, 18:20 eu vou abrir uma estúpida Bohemia. Pode ser uma Norteña, Patrícia ou Polar. Eu gostaria de estar lá, mas não posso. Não posso porque não quero. Boa sorte. Para todos nós. Principalmente para aqueles que podem mudar as coisas para melhor, deixando a vida mais racional, menos dogmática.

Repito, porque não somos jacarés e não moramos no City Zoo, como Wally, o Gator. Queremos poder ver o Wallyson fazer os gols, sentados. Nada mais.

Arremate: “Gaivota”, por Blindagem

‘Sou gaivota por sobre o mar
Meu vôo é volta
De qualquer lugar
Desapareço no tempo, no ar
Antes que um olho
Consiga piscar
Num vôo razante
O que eu vi
Não dá pra acreditar
Dá pra acreditar
Minhas penas tremendo
Me levem daqui
Faço parte do vento
Vou me embora correndo
Se acalme…’

ps: errata da última coluna > o título da música é “Funeral de um lavrador”.



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