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11 set 2009 - 22h25

Uma estória real

Clube Atlético Paranaense, uma agremiação esportiva. A Instituição mais emergente do futebol brasileiro dos últimos anos. Leonardo, um torcedor. Nem ascensão nem queda, apenas em vida. Segue um breve relato verídico contado por um amigo, sobre parte da trajetória de um cidadão comum, destes que andam pela rua, e sua contígua relação com o Atlético. Cara de ficção, jeito de realidade, cheiro de vida, prova de amor. Divirtam-se. Ou não.

– Recomendo às pessoas prontas, imediatistas, azes do raciocínio, ricochetes da voz: afastem-se daqui, pois este tipo de leitura é apenas para quem sente; caso permaneçam, há risco de indigestão, por incompatibilidade de valores.

“Quem um dia irá dizer, que existe razão nas coisas feitas pelo coração / e quem irá dizer que não existe razão” – Renato Russo, em Eduardo & Mônica.

[Ele, Leonardo. Ela, Ana Júlia. Na concepção verdadeira, não se encontraram um dia sem querer. Foi muito mais do que isto, além de qualquer percepção humana. Destas coisas que o nosso cotidiano tende a mascarar, cobrir, atenuar. Tudo em nome do não sei quê. Mas não adianta, há sempre algo que não podemos controlar, nós mortais, nasais empinados ou não. Pois a vida lá fora é muito maior do que as convicções aqui dentro.

Leonardo. Sujeito tímido, reservado, acostumado a guardar sua vida na caixinha. Esta, ficava lá no canto de seu mundo, onde cuidava muito bem dos seus sonhos, planos, desejos e vontades. Soltava-se apenas no violão, logicamente a tocar e cantar sozinho. Boa praça, seus poucos colegas apreciavam o bate-papo. Intuitivo, havia algo de diferente no ar naquele início de segundo período na faculdade.

A história começa na noite de segunda-feira. Ele sentado na carteira da sala, junto à parede, olhava a porta vazia, como se fosse uma janela. Entraram alguns, saíram outros. Mas houve um lapso no tempo. Um vácuo interposto no espaço. Estivesse na praia, o mar havia recuado. A bruma leve se instalara no ambiente, sem propriamente trazer sinais. Talvez um determinado sintoma, uma queda no metabolismo, ritmo desacelerado. Tal nas situações em que alegamos estar desprevenidos. Mas algo iria acontecer, inexoravelmente.

Ana Júlia. Surge então ela, morena, alta, elegante e tudo o mais que sua imaginação possa lhe trazer em excelência. Aproxima-se da primeira carteira da sua fila, bolsas, cadernos, garrafinha d’água, babilaques femininos. Arruma-os e se acomoda, sem emitir o mínimo som. Sua beleza era tão evidente, que Leonardo não se espantara, pois sabia que na vida tinha algo de bom, um sentido. Ela encheu seus olhos, como de qualquer um. A sala encheu. A aula começou. Brotou o pensamento.

Racional, já de pronto Leonardo vetara em sua imaginação qualquer tipo de relacionamento com Ana Júlia, em face de tudo. Tolo e ingênuo, precipitadamente covarde, um típico brasileiro. Veio o intervalo, ela sumiu. Não voltara para as duas últimas aulas. Leo respondera a si mesmo “o que é bom dura pouco”, sentindo-se integrante do povo, por aplicar na prática este nobre ditado popular. Noite seguinte ela retorna, cada vez mais bonita, diferente, sabe-se lá como, palavras começam a faltar. Mas desta, foi sentar-se à frente dele. Retidão, conduta, sensatez da parte masculina.

Ela virou-se e perguntou-lhe de quem seria aquela aula. Pediu uma folha emprestada, ele deu três. Óbvio que ele não assistiu à aula. Os cabelos dela esvoaçavam aos seus olhos, a menos de dois palmos de distância. Às vezes tocavam a superfície de sua carteira, resvalando em seu caderno, claro que sem querer, feito ondas acalmando na areia da praia. Leonardo sentia-se à beira-mar, ou numa propaganda de xampú, tintura para cabelos, qualquer coisa assim. Aula encerrada, ela seguindo embora, quando dois metros à frente, pára, gira somente a cabeça e de costas lhe dá tchau. Distraída a moça, mas educada no final. Normal.

No terceiro dia, ela chega atrasada, e vai diretamente para outro canto da sala. Ele nem pôde ver a cor da sua blusa. Depois da aula ela se foi sem olhar para trás, para o lado ou para cima. Se descoberto o sentido, ele pensava agora em direções. Também normal. Tudo deveria correr sempre na normalidade. Quinta e sexta, Leonardo achou que ela havia desistido, diante do sumiço. Restou-lhe dar prosseguimento à sua existência, e tempo para acomodar o pensamento, até este esvanecer-se.

Semana seguinte, Leonardo resolvera empregar sua astúcia mexicana, que nem sabia possuir: deixou sua mala na carteira da frente, intencionalmente, caso ela porventura retornasse. Colegas vieram e não puderam sentar ali, sem saber por quê. Professor já na sala, entra Ana Júlia novamente atrasada e vai passo a passo na direção do (des)conhecido Leonardo, que prontamente tira sua pasta e oferece o assento à pessoa. Sim, pois sua comedida modéstia a enxergava como pessoa. De papo, nos momentos possíveis, apenas aquilo de mais corriqueiro, banal, supérfluo e claro que fugaz. Intervalo já virou rotina, novamente ela saindo, deixando vazia a sala cheia.

Ao nono dia, ela fica na primeira carteira, rente ao quadro negro que era verde, lugares totalmente tomados. Leonardo, num impulso destes por nada explicado, volta à fase escolar, mandando-lhe um bilhetinho, no qual pedia desculpas à nova aluna por não ter guardado lugar em razão dele também ter chegado atrasado. Surpresa: ela respondeu de um jeito que, não fosse seu obstar, diria ele ter sido ela “carinhosa”. Como se lhe estivesse estendido a mão, mesmo a certa distância, ou um aceno até: sem ilusão alguma, naquele instante nascia uma colega. Parida ali na sala de aula, sem placenta, mas com ímpar vivacidade.

Os dias seguintes foram eternos. Ele sempre guardando lugar para ela, sempre atrasada. Trocavam bilhetinhos, quase toda aula, um à frente do outro, numa alegria contagiante, de fazer inveja à Luluzinha e Bolinha, Joãozinho e Mariazinha ou quem quer que seja. Assunto, ideias, conteúdo. Principalmente humor. Ele sentia-se realizado ao vê-la sorrir. Ela via-se segura ao senti-lo contente. Dois encontrados numa noite limpa. Os intervalos preencheram-se pela mútua companhia.

Até que um dia Ana Júlia o convidara para ir à biblioteca. No caminho, ele comentou sobre uma colega em comum. Subitamente, ela disse algo que lhe assustou, tal a gota de ciúme que apareceu no ar. Aí então desfolhou-se o manual dos vetos, caindo por terra os obstáculos do pensamento que mandam os códigos morais. Minimamente, haveria de ter naquele relacionamento, traços de uma amizade nascente. O salto do coleguismo sobre o rio da vida, transformara-se em muito mais do que aquilo. A etiqueta e o figurino mandaram-lhe absorver a forte frase. Ele a digeriu como lhe conveio.

Houve outro dia em que mataram aula para ir conversar sobre as vidas, um pouco de cerveja. Ficou a sede, um sabor de quero muito mais, porque o tempo se mostrava insuficiente num espaço tão reduzido. Ou seja, as almas se agigantaram nos corpos que não tinham lugar para viver. A evidenciação de um sentimento nato, leve e figuradamente amordaçado, ilhado pelos acordos pretéritos, o passado atrapalhando o presente.

E foi numa manhã que ela revelou-se atleticana. Leonardo perguntou a si mesmo sobre o motivo que leva as pessoas a viver escolhendo seus caminhos a toda hora, adotando adjetivos e classificações. Queria saber sobre a necessidade dos estigmas da sociedade civil. Refletiu sobre o que seria estar ao lado dela o tempo todo. Invocara uma resposta espiritualista para tal encontro marcado, ela não tardou. Tomou a voz de sua consciência e lhe respondeu-lhe que isto chamava-se vida, nada mais.

Os detalhes, ah os detalhes. Leonardo disse a ela que seus pezinhos eram lindos, ela quase vestiu meias. Ele escrevia besteiras, Ana Júlia ria largada. Xingavam-se mutuamente, ela com palavrões, ele com apelidos. Foram estudar juntos, longe da faculdade, mas cantarolaram músicas a manhã inteira. Fizeram uma prova em dupla. Ela o admirava por alguma coisa, ele o mesmo por outra, mesmo sem saber certamente o quê, mas nada de óbvio. De um lado vergonha, de outro também. Como lidar com um recém-nascido, um sentimento. Coisa que vem de dentro e se instala ao redor.

Não bastasse os predicados da moça, a cada dia ela ia se tornando mais mulher. E a cada noite tornava-se mais pessoa, lá naquela caixinha das reflexões notívagas. Tudo ao mesmo tempo: conhecida, colega, amiga, irmã… menina, guria, jovem, mulher, tigresa… e cada vez mais isso tudo. Manhã cedinho, hora de trabalhar, tudo em seu lugar, principalmente o sonho acordado, carregado junto como documento, tal a identificação. Se preciso fosse, mostrava, mas a ele mesmo. Era o que se chama de talvez.

16º§ – Fosse unilateral, seria paixão. Fosse recíproco, denominar-se-ia amor. Nenhum dos dois. Sentimento, mas completamente inominado. Sua existência foge às regras da língua portuguesa, onde não encontra sequer sinonímia. Algo indescritível, servindo apenas para se sentir. E imensurável, pois não se finda no tempo ou espaço. Impossível ser lembrado porque dele nunca se esquece. Onipresença de caráter humano.

A virada do ano, o sonho permanente levado como bagagem pela natureza afora. Recomeçada as aulas, ela reaparece de vestido colorido e sandálias, como ele havia sonhado numa madrugada, em pleno estado alfa. Tão lindo que chegou a lhe pedir que um dia viesse assim. Ela atendeu: da mesma forma que um simples despertar, era aquele seu último dia na faculdade. A despedida que não veio, a foice da vida se fez presente na cidade grande. “Tchau, estou indo…” e ela se foi para não mais voltar, ao menos ali.

O coração na mão direita, a cabeça na esquerda, Leonardo perdeu o rumo do pensar. Revoltara-se ante tal absurdo, questionando até a potência divina, instantes assim. Mas logo que certificou-se da saída dela, uma luz tomou conta do local: mesmo ela tendo partido, cresceu mais ainda dentro dele. Porque era um sentimento verdadeiro, que cala qualquer pergunta e justifica toda resposta. Ao contrário, ela passou a ser a mais pura manifestação do criador em sua vida. Por si só Ana Júlia bastava. Longe da kriptonita, não foi o silêncio que habitou-se no meio: foi sua presença, eternamente dentro dele. Lá no cantinho do quarto de seu coração. Quando bate a saudade, ele abre a porta.

Ela pode fazer o mesmo, pelas estórias que ele lhe contava, sobre balões de hélio, palavras ao vento, leveza das brumas, aves na direção do sol, rimas jardinais, temporadas do sol e tantas outras… ela apenas gostava, e bastante, ele sabia. Alguns almoços depois disto, mais reticências que reencontros. Tanto que de outra vez ela lhe telefonou, combinando de assistir juntos o último jogo de 2007, contra o São Paulo. Estádio lotado, uma hora antes ele estava no local combinado, na pracinha. Ele com o coração na boca, meses sem tê-la visto, apenas sentido. Festa, o mundo inteiro estava ali. Menos ela. O jogo começou, ele esperou vinte minutos e foi embora. Perguntas? Raiva? Indignação? Nada disso.

Foi uma de suas maiores respostas. Muitas são as situações na vida em que as palavras chegam por outros caminhos, por mais estranhos que possam parecer. O lado B das coisas também existe, não precisamos ver para crer. O contrário do mundo, é capaz de revelar os mais instigantes mistérios da vida, porque não há ilusão do lado de lá. Então ele tomou mais uma vez o caminho da sua existência, acomodando seu pensamento, mas agora sem a necessidade de esvanecê-lo.

Hoje ela é tida como feliz. Ana Júlia vive bem, em algum lugar da cidade. Trabalha, ou ainda estuda, também vive com seu alguém. É destas pessoas que andam pelas ruas. Deve sorrir, chorar, viver normalmente como uma cidadã. Contatos são como estações, tal a distância entre eles. Algo irrelevante, pois ela marcou e com tamanha força que o sinal se fez para sempre.

Hoje meu amigo é tido como um louco. Porque somente os loucos são capazes de viver tentando chegar mais perto do seu próprio coração. E aqueles que chegam, hão de ser internados, isolados socialmente, por abdicarem das tradições, dos costumes, das leis e dos contratos. O fato de se viver a vida como se sonha, causa estranheza na grande maioria dos indivíduos, todos compromissados com seus amanhãs. Por isto deixam de sentir o presente, vivê-lo.

Leonardo sente Ana Júlia, mas não a vive como deveria. De forma semelhante, o torcedor sente o Atlético, mas não o vive como deveria. Sentimentos sem nome, inconscientemente dão a força necessária para a sua própria vida, apesar de não se conviver com a vitória. E quanto mais eles deixam de acontecer, mais eles tomam conta do espaço existente na caixinha de Leonardo. Os sonhos se transformam, estão hoje mais amadurecidos. Ele quer o seu abraço, deseja o seu perfume, e uma caminhada na tarde de sábado, em meio à natureza.

A sinopse desta estória real é simples, como a vida é: na realidade, Ana Júlia nunca foi embora. Nem o Atlético. Pois a palavra que mais se aproxima daqueles sentimentos de Leonardo pelos dois, incompatíveis em gênero, semelhantes em filo, chama-se esperança… a esperança de um dia poder contar esta estória com ‘h’…]

– As pessoas que não leram até aqui estão resolvidas em suas vidas, prontas, a pestanejar sobre os pedestais do silêncio. Por isto, não têm necessidade de se envolver com novos sentimentos, muito menos os alheios. Os que chegaram, são os que preocupam-se com as coisas do coração, tem algo a fazer. E compreenderam este caso relatado, como mais um exemplo de que a vida não se deve deixar passar. Ela deve ser identificada, cuidada, respeitando cada sentimento que possa vir a existir, tal qual cada gestação. Em função disto, tratar este tipo de sentimento com todo o carinho possível, sem ter vergonha do mundo ao redor. Sem medir forças, ir atrás do sentido da vida, o qual somente nele está contido.

O Atlético precisa urgentemente ser tratado com carinho. O relacionamento daqueles dois também. É apenas isto que falta para que as relações entrem para a história com ‘h’. Afastar as conjecturas dos humanos, suas hipóteses e sentenças, aproximar-se das caixinhas, destituídos de qualquer vergonha. Mais nada. Adeus às múltiplas direções por outrem sugeridas. Bem obedecido aquele sentir, encontrar-se-á o sentido da vida. Mesmo que você não possa substantivá-lo, posto que sua dimensão é de outro plano, distante do alcance das palavras. Por isto ela cala. Por isto ele não chora.

*Para quem ainda não entendeu, o 16º parágrafo deste texto, em analogia, é o que reflete melhor o sentimento pelo CAP. Isto é, tal qual Ana Júlia, há o sentimento, mas falta extravasá-lo. Leonardo quer apenas um abraço, além de sentir o seu perfume. Tantas vezes forem possíveis. Os atleticanos também. Também querem vencer com o Atlético.

Arremate: trecho de uma das mais belas e importantes canções da música brasileira, bela em letra e música. Simples, ela foi feita por um maluco. Maluco porque vivia bem perto de seu coração. Assim pôde conhecer a beleza da vida.

“ G
…Como as pedras imóveis na praia
F#m Bm
Eu fico ao teu lado sem saber
Em7 A7
Dos amores que a vida me trouxe
D
E eu não pude viver…”

– Medo da Chuva / Raul Seixas.

ps: não me importo que questionem minha sanidade. Todos nós temos no mínimo uma história sentimental para contar relacionada com o Atlético. Quem dera mais loucos aparecessem por aqui. Ninguém mandou abrirem as portas do Nossa Senhora da Luz…

ps2: abraço, Paulo Cesar Teixeira, obrigado pela inspiração.



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