Danilo e a crise epistemológica dos espelhos
Segundo Boaventura de Souza Santos, em sua recomendabilíssima obra A Crítica da Razão Indolente, o mundo moderno, mesmo com suas representações inacabadas ou suprimidas, sofre há décadas as consequências da auto-reprodução do capitalismo, cujo triunfo estabeleceu um paradigma de tais proporções que praticamente não se admite ter uma idéia de progresso, sem ter como concepção prática esta variante ideológica de sistema econômico.
À medida que se impõe, cada vez mais ele se fortalece, ditando normas, comportamentos e condutas, criando uma relação de interdependência para com ele, nos indivíduos integrantes das mais variadas sociedades mundo afora. Então Boaventura aponta sem pestanejar a crise nas formas de conhecimento, indicando a urgente necessidade de construção do conhecimento-emancipatório, o que implicaria numa verdadeira transição paradigmática, superando as limitações intrínsecas ao modo de produção hegemônico do próprio capitalismo, o qual só faz querer mais de si mesmo.
É evidente que, em vista das dimensões que a problemática social atinge nos dias não de hoje, carece de que este modelo seja rompido, justamente para que a ciência moderna, a qual ainda determina-se pelo conhecimento-regulação, não se apodere das relações sócio-culturais a ponto de continuar a impedir a solução de nossa mazelas, evitando a criação de novas formas de conhecimento, posto que por si só ela ainda não os resolveu.
Questão epistemológica sim, pois a crise estabelece-se nas origens deste conhecimento, suas estruturas, métodos e condições de validade para posterior aceitação, deixando à mostra sua veia empirista, tentando a todo custo tornar o mundo cognoscível, mas condicionalmente aos olhos daqueles que se intitulam portadores das chaves da sabedoria.
Estes são os donos dos espelhos sociais, artefatos imateriais que são conjuntos de instituições, normatividades e ideologias, que estabelecem correspondências e hierarquias entre campos infinitamente vastos de práticas sociais, as quais, a partir de sua visão, portanto individualista, ou ao menos de um determinado grupo social, buscam transformar suas identificações particulares em identidade coletiva, refletidas na ciência, no Direito, na educação, na religião e na tradição, principalmente na INFORMAÇÃO, da qual aqui tratarei, tão somente.
Então o espelho da informação sai do plano virtual à procura da realidade, tentando adquirir vida própria, passando de sua condição de objeto a uma situação de olhar, ele próprio. Cria-se a imagem de uma estátua, atribui-se a ela credibilidade, indicando referencial a servir como parâmetro para tudo aquilo que seja inerente à consciência dos cidadãos, conseqüentemente gerando a crise, pois toda e qualquer imagem distinta deste tipo artificioso de construção, aduz terror, pelo não reconhecimento desta incomum perante aquela (estátua) padronizada.
Eu sou o terror.
Porque eu não acredito naquilo que mostram, que informam. E principalmente porque não acredito naquilo que os move à informação, melhor qualificada como assunto noticioso.
Vivemos, dentro deste panorama, paralelamente uma severa e profunda crise de REFERENCIAIS, onde entrega-se a qualquer um as medalhas do bom exemplo e do sucesso. A falta destes referenciais, aliada ao conhecimento dependente de outrem, empobrece-nos culturalmente a ponto de aceitarmos tudo aquilo que for veiculado, sem importar veracidade: a fantasia toma o lugar da ciência propriamente dita, renegando a experiência prática, o método sistemático, a racionalidade e a reflexão, todos rebaixados ao plano da não-modernidade, da pequenez ou do desplugamento.
Ora, qual foi a notícia nacional do fim de semana? Quase nada sobre a dominical caminhada gay em direção ao Couto. A bela partida do Atlético traduzida em nossa superioridade em campo não entrou na pauta. A injustiça, fator inerente ao esporte Futebol, obviamente também fora deixada de lado, onde a mídia esportiva fez de conta que o Palmeiras venceu por convencimento, enaltecendo repetidamente os cinqüenta pontos alcançados, com um breve voto de louvor a Marcos, desta vez sem a costumeira canonização, posto que, em sua capitânia visão turfista, não foi tanto assim…
A notícia foi Danilo, manchetado como o destaque da rodada. Ignoraram seu gol contra e viram apenas o que lhes conveio, o gol pró. Marcado na frente de um Fransérgio ectópico que não é zagueiro de origem. Em meio a uma jovem zaga atleticana formada insistentemente por dois volantes, apenas um zagueiro original, um atacante deslocado para a lateral-esquerda e um lateral-direito reposicionado à sua origem somente naquele jogo. Sem contar com um goleiro dos mais inseguros dos últimos anos, incapaz de sair da pequena área, lembrando muito a fase decadente de Diego Pebolim.
Danilo, o Macunaíma de São Bernardo do Campo, transformado foi no herói sem caráter do mês. Seu brado alucinado na hora do gol em disparada na direção do banco não se resumiu apenas à euforia pela marcação do tento para seu novo time. Foi muito mais além. Gritou contra seu próprio passado, como nunca. Pensou ele que esbravejara contra o Atlético, mas nós sabemos a verdade: foi contra ele mesmo. Contra suas principais características, ainda presentes, como os gols-contra, por exemplo. Os absurdos pênaltis cometidos, as expulsões animalescas, as perdas nas corridas, nas divididas, nas cabeçadas e principalmente as presepadas contra pathuquenses, corinthianos-alagoenses e coxas-brancas, ora nos eliminando de torneios internacionais e Copa do Brasil, ora oferecendo títulos estaduais ao adversário no fim do jogo. Claro, não sem empurrar a culpa para terceiros, estes, logicamente os menos apadrinhados no Clube. Mais fácil ou cômodo foi acusar Vinícius, do que seria suspeitar de Dani Paulistinha, o protegido, outrora indicado por PVC em visita à Arena para jogar em qualquer time do Brasil…e ainda tenho que lembrar disso!
Larangera, um boleiro que vem aos microfones paulistanos e afirma não querer voltar ao CAP ao fim de seu empréstimo, como se alguém aqui fosse ignorante a ponto de permitir que isto passasse pela própria cabeça como um pensamento qualquer. Como se nós não tivéssemos associado este período de três anos sofrendo derrotas e humilhações ao mesmo período em que ele ficou absoluto na titularidade, não sem deixar seqüelas para 2009. Como se nós não soubéssemos que depois de 2005, ano em que ele jogou razoavelmente, foi um dos principais responsáveis pelas nossas vergonhosas apresentações em campo. A síndrome do nunca-mais, de etiologia cultural, também afetou o pobre moço, tal qual Dagoberto, Jancarlos, Marcos Aurélio, Michel… todos clamando amores pela respectiva e nova agremiação, culpando o Atlético pelas razões de seus evidentes fracassos pretéritos: CAP, o empecilho dos craques nascentes… como se algo fosse mudar no seu jeito boleiro de ser depois de vazarem daqui… c-o-i-t-a-d-o-s!
No mapa, acima do fim da estrada da Ribeira, mora o povo que viu a luz. A luz do brilho de Danilo no sábado à tardinha. Uma apresentação que justificava muito mais que míseros R$100.000,00 de multa contratual. Praticamente seu desempenho não teve preço, para eles. E foi esta conclusão, em meio a tantas outras, que eles incansável e diariamente tentam vender ao resto do país a disseminação de uma ilusão sem mensuração de ética nem escrúpulos, mostrando enganosamente aos analfabetos o que seja a sapiência do desporto. Gente feirante que se acha detentora daquele conhecimento de qualidade, regulatório, preparado, pronto para comercializar os frutos de seus interesses. O estilo global de se fazer jornalismo: a notícia está pronta, engula e digira-a como lhe convier, mas rápido que já vem outra em seu lugar, porque o mundo… bem, amigos… o mundo não para!
Esta crise não limita-se à má fé dos sudêtas (povo do sudeste) pela constante invenção de craques como Edmilson, Vagner Love, Jô, Elano, Marcinho Guerreiro, Dentinho, Josué, Douglas e tantos outros. Eles também perderam os seus referenciais. Pois quem teve um dia Luis Pereira desfilando sobre os seus gramados, sinceramente, dizer que Danilo brilhou é tão, mas tão bizarro, que minha educação, o bom senso e a censura me proíbem de tecer comentários contraditórios à mesma altura.
Da mesma forma, nós sulistas igualmente perdemos nossos referenciais. Quem teve um dia Caju, Djalma Santos, Bellini, Alfredo Gottardi, Sicupira, Roberto Costa, Washington & Assis, Kléber, Kléberson, Fernandinho, Jadson… não pode deixar baixar o nível elegendo gente como Alan Bahia, Ferreira, Nei, Rafael Moura ou Valencia como símbolos de categoria ou qualquer outro predicado de um bom jogador a ponto de se tornar ídolo. Diminuiu-se consideravelmente a lista de requisitos para tanto, tanto que hoje os medianos são vulgarmente promovidos a tal, com bastante prejuízo à qualificação profissional daqueles. A diferença, é que eles (crônica) tentam impor seus achismos tal cartilha primária diante de inocentes espectadores mirins, fazendo valer a força dos canais de comunicação a manipular a massa, impossibilitando a crítica, pois a notícia chega pronta tipo gelatina, que escorrega rapidamente na direção da goela, ou seja, do nada.
É o imperialismo se alastrando feito WAR o jogo da estratégia conquistando terrenos no interior do Paraná, no Nordeste, Norte e Centro-Oeste dos rincões do Brasil. Todos ligados na mesma emoção, o padrão Globo/Band de formação de opinião, em prol da manutenção da falsa hegemonia paulistana e carioca no país da bola.
Os espelhos, as estátuas, a moda: o paradigma a ser quebrado. Por aqueles que se submeterem à participação, aflorando sua inteligibilidade em busca da verdade das coisas. Ao menos pela chance de interpretar os fatos, e não simplesmente aceitando as conclusões suspeitas e interesseiras de Marsilha, Godoy & CIA. Até atingir um senso comum, através da reflexão, da análise, da imparcialidade e dos princípios que devem balizar uma sociedade civil que se preze democraticamente.
Logo, logo surgirá no cenário midiático outra aberração, desta vez esverdeada, um Zina do Bexiga, soltando por aí que Danilo… brilha muito no Parmêra!…
Aí eu peço para defecar e saio. Saio e vou ler um livro. Um livro que me dê chance, que me estimule a interpretar as coisas da vida. Vida na qual eu devo me esforçar pelo conhecimento. Um conhecimento emancipado, independente, libertado. Livre por não haver vínculos. Estes que pressupõem interesses, os quais sempre ocorrem em detrimento de alguém. O povo brasileiro não merece isto, muito menos desta forma, refém deles, os porta-vozes das classes dominantes, manifestando-se também nos campos do futebol.
Chega. Não quero mais a notícia, falsa e filha da p***. P*** que se entrega àquele que lhe der mais. Chega. Vamos quebrar os espelhos, mijar nas estátuas, afastar as p**** e zelar pela nossa gente. E nas orações ou meditações, agradecer. Agradecer porque Danilo, aquele, nunca mais voltará. Ele está bem aonde merece estar. Na paulicéia desvairada, fazendo estória a la Dagoberto. Estória para paulista dormir. Dormir e sonhar que eles são jogadores de futebol. Estes também dormem, sonham e pensam que aqueles outros são cronistas de futebol.
O círculo da ilusão, que se fecha com o elo da ignorância de seus elementos, pelo importante desconhecimento do que venha a ser uma NAÇÃO. Mais nada. Acredite se puder.
PS – O homem é um animal com instintos primários de sobrevivência. Por isso, seu engenho desenvolveu-se primeiro e a alma depois, e o progresso da ciência está bem mais adiantado que seu comportamento ético.
Charles Chaplin