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8 dez 2009 - 14h44

O futebol e o reflexo do que somos

A falta de discernimento entre adversário e inimigo é algo a se lamentar profundamente, principalmente pela crescente adesão de adeptos que essa ignorância está promovendo. A intolerância já provocou estragos dispensáveis na história da humanidade, fazer da preferência clubística mais uma barreira ao bom senso é demasiadamente medíocre. A paixão pela bandeira de um clube não pode ser carta de alforria a racionalidade, além do mais, atitudes animalescas de violência gratuita merecem rigorosa punição, afinal, pra que servem as leis senão pra promover a pacífica convivência entre os cidadãos?

O futebol é um reflexo muito honesto da sociedade, não é só o árbitro que faz vistas grossas no campo de jogo, por vezes mal intencionado, por vezes demasiadamente prepotente, pedante, espalhafatoso, nós também agimos assim. Quantas vezes fingimos não enxergar as injustiças, as tiranias, os desmandos? O futebol é sim um reflexo honesto do que somos e como agimos. Você nunca viu ninguém cometendo abuso de autoridade, fazendo pequenas sacanagens, empreendendo irregularidades? Talvez, mesmo num superficial exame de consciência, você reconheça pequenas faltas; pequenos delitos que você julgou não serem passíveis de reprovação. Pois é, não pouca vezes ouvimos as pessoas ao redor dizendo (também me incluo) “Aquele jogador foi burro. Se o cara caísse na jogada era pênalte.”. Quantas vezes, pela TV, assistimos os atletas tentando ludibriar a arbitragem com simulações, na cara de pau, exagerando nos tombos, dignos de Oscar. Sabe o que é pior disso tudo? Depois das imagens da TV mostrarem a verdade e serem desmascarados, não há qualquer punição. Os caras não sentem vergonha de serem desonestos, de fingir, de se contradizer. Aprenderam que isso é parte do jogo. Isso não te lembra a vida real, o cotidiano? Pois é. Somos nós. No país do jeitinho e da malandragem, essas coisas são normais. Em algumas situações até dignas de aplausos e elogios. Todos sabemos que dentro de uma estratégia de jogo hoje, está a simulação, a “catimba”. Essas coisas, que conhecemos como bancar o esperto, hodiernamente, em sua gênese chama-se desonestidade.

Seria absurdamente incomum e inimaginável um jogador confessar “… a bola acertou minha mão. Foi falta.”. Assim como esperar que um político diga “Desejo me desculpar com a sociedade porque cometi ilicitudes e quero pagar por isso.”. Estranho é que o que nos causaria espanto é justamente o que é honrado, probo, reto, honesto. Estamos acostumados com a falcatrua.

Assim o mundo segue, a gente fazendo de conta que não vê, outros fazendo de conta que não fazem. Alguns indivíduos resolveram reduzir a essência do sentimento de humanidade a bestialidades jurássicas, e faremos parte disso enquanto aceitarmos que descerebrados usem o epíteto de “gente” pra viver em sociedade. Essa violência que temos assistido é a cara dos nossos tempos. As pessoas estão estudando pra ser melhores que as outras, não pra somar conhecimento e serem melhores cidadãos. A intenção é passar por cima mesmo, atropelar, “se dar melhor”. As intrigas mesquinhas estão no transito, nas empresas, entre amigos, entre torcedores do mesmo time, quanto mais do time adversário. O individualismo nos legou embrutecimento e alienação, defensores de nossa própria causa, e hoje não conseguimos respeitar as diferenças, as quais tratamos como desigualdade (sim, desigualdade e diferença não são a mesma coisa). Hoje as pessoas procuram seus bandos, seus grupos, suas sociedades seletas, seus afins, buscando se reconhecer entre seus semelhantes e reafirmar suas diferenças em relação aos outros. Aí surgem as turbas, que agem acefalamente em conjunto, sem discernimento, sem raciocínio, levadas pela evocação de um grito de guerra, por uma faísca qualquer, de uma ideologia barata, gritando cânticos de guerra que sequer sabem o que significam. Hoje policiais corruptos precisam de propina pra fazer o serviço para o qual são pagos com nossos impostos, os políticos só aprovam leis com troca de favores, a justiça julga de acordo com a cara do indivíduo, a gente só faz o certo se alguém estiver olhando, anda na velocidade máxima permitida se houver um radar e, por fim, os jogadores só usam todo o seu empenho, esforço e talento se receberem um bom “bicho” pra isso.

Alguma coisa se perdeu no caminho e os valores foram deturpados e invertidos. Quando éramos crianças, nas aulas de educação, aprendíamos que esporte é lealdade, que respeitar e enaltecer o adversário era supervalorizar a disputa e, principalmente, uma possível vitória. Hoje, além de jeitinho e esperteza serem sinônimos de sacanagem, adversário é sinônimo de inimigo e a cor da camisa te coloca em situação de radical oposição a bandeira alheia. Empatia é uma das coisas que mais faz falta a nossa sociedade. Se conseguíssemos minimamente nos colar no lugar uns dos outros antes de atitudes imbecis e animalescas e resgatarmos a nossa consciência humana, sobretudo, certamente teríamos um mundo muito melhor e poderíamos tomar uma boa cerveja depois de um clássico, numa mesma mesa, cada qual com sua cor de camisa e seu orgulho de torcer pra seu clube.

O futebol está perdendo a graça e o encanto. Os bastidores ganham jogos, a influência decide vencedores, os Estados nos fazem antagonistas, os times nos fazem inimigos e as partidas viraram guerras.

Enquanto as pessoas responsáveis pela nossa segurança não compreenderem que quem deve ser punido é o infrator, pagaremos nós, toda a sociedade, pela animalidade de calhordas covardes que não tem a dignidade de mostrar a cara e se escondem atrás de facções, pois não passam de factóides em bando de acéfalos.

Jogo de uma torcida só vai resolver? Acabar com a torcida organizada vai dar jeito nisso? Tirar a cerveja dos estádios resolveu a violência? Punir 20 mil torcedores e prejudicar donos de lanchonetes (que geram empregos) porque “meia dúzia de 6” delinqüentes fizeram das suas tradicionais imbecilidades é o melhor que nossos representantes conseguem fazer? A resposta disso está nas entrelinhas: é mais fácil e cômodo generalizar, punir o cidadão de bem, que nada fez, do que os bandidos, que reincidem. A certeza da impunidade é o impulso pra marginalidade. É assim que nossos políticos se dão bem, é assim que os marginais desafiam nossa liberdade, é assim que bestas feras se criam no cerne de nossa sociedade, é assim que bandidos surgem travestidos de torcedores. Também é por conta dessa impunidade e determinações paliativas que hoje, quem fica atrás das grades, somos nós. Problemas se resolvem ao se extirpar a raiz, do contrário, continuaremos cortando as pontas da mediocridade, como nos acostumamos a fazer nesse país.



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