“O mascote”, o “purgatório” e as torcidas
Relembrando o nosso maior clássico, vem à minha memória o primeiro Atletiba que assisti na Velha Baixada.
Foi lá pelo começo dos anos 80, salvo erro. Eu, ainda garoto e cheio de sonhos, nunca havia assistido um Atlétiba em nossa casa. Havia naquela época uma monte de impedimentos para o Furacão mandar jogos contra os ”verdinhos” em nossos domínios. Era sempre uma desculpa atrás da outra, faltava segurança, faltava luz (não havia refletores ainda na velha Baixada), coisa que contra o extinto Colorado nunca pediam, mas sempre se era contra os coxas as exigências se multiplicavam, afinal, ele vinham do ”alto de tanta arrogância” e se achavam própria Rainha da Inglaterra ou uma visita papal.
Vamos àquele Atletiba. Naquela tarde de Domingo, dia em que tive a felicidade de entrar como mascote do Furacão, e vi de dentro das quatro linhas a emoção da torcida atleticana. Era talco, papel higiênico, bandeiras, faixas, bateria, fogos e eu, com meus sonhos de menino, corria com uma corneta igual aquela africana (ZU..ZU… sei lá, não importa), atrás de um grandalhão zagueiro deles, que era chamado Gardel, só pra azucrinar.
Como pano de fundo estava a torcidinha deles, expremida em um cantinho que vinha do meio do antigo ginásio até o muro da direita de quem entrava, calada no seu devido lugar, que foi chamado pela imprensa de ”purgatório coxa-branca”, lugar onde pagariam por seus pecados outrora cometidos.
Mas em campo nosso Furacão tinha a obrigação de vencer, pois contra tudo e contra todos, levamos o jogo para o Caldeirão. Eles entraram favoritos, vinham de uma goleada com direito a gol de bicicleta do tal Gardel, seria mole, mas não foi.
De repente surge um herói, o maior craque do mundo, zagueiro improvisado? Que nada! O craque do sonhos, deste outrora mascote e faz 1 x 0 mascote. “Sarandi”, isso mesmo, “Sarandi”. Na falha de quem? Dele, Gardel. Tive a sensação de ter participado da jogada, mesmo que com aquelas cornetadas.
Daí pra frente foi o paraíso atleticano contra o inferno coxa, eles nem sabiam quanto era bom o purgatório. Quando estávamos com a bola era a festa; sem ela, era o inferno pra eles. Já não sabiam os coxas se era melhor ficar com a bola ou sem ela. A cada escanteio deles era uma chuva de vaias papel higiênico, talco; eu mesmo juntava do chão e jogava no ”Aladin”. Isto nunca feriu ninguém, a não ser o próprio orgulho.
Hoje, infelizmente, não há mais bateria, papel higiênico, talco e cornetas.
Culpam as torcidas organizadas pela violência. A violência é fruto de uma sociedade abandonada a própria sorte. Onde falta educação de qualidade e a ética de nossos representantes é colocada a próva a cada novo escândalo.
A violência está em todos os níveis da sociedade, é doméstica, é a droga, até na mercantilização da fé, que deveria dar suporte aos reveses da vida, e a corrupção que vemos todos os dias nos jornais. Não apenas nas torcidas, quando um ou outro ”infeliz’ comete um despropósito. Torcida e futebol sempre foi festa alegria, aquela tiração de sarro nas segundas.
Banir as torcidas é o modo mais fácil de esconder nossas mazelas sociais. E por que não dizer a incompetência de quem nos dirige ou finge dirigir”. É tentar curar tumor com banha do peixe boi.
Bom Atletiba a todos e que revivamos aquela tarde de domingo com mais uma vitória do Furacão.