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21 abr 2010 - 8h56

Racismo intolerável

Semana passada o fato que mais chamou a atenção de todos aqueles que acompanham o futebol foi a demonstração explícita de racismo do jogador Danilo do Palmeiras contra o Manoel num lance da partida contra o Atlético pela Copa do Brasil.

Quando todos nós pensávamos que nunca mais veríamos esse tipo de atitude criminosa dentro de um campo de futebol, eis que ela aparece com todo vigor, deixando transparecer a falta de civilidade que ainda existe na nossa sociedade por parte de alguns cidadãos.

Ao noticiar este lamentável fato, a imprensa, de modo muito salutar, relembra outros casos de racismo similares no futebol. E não são poucos.

Eu relembro com tristeza e, ao mesmo tempo com raiva, de alguns desses momentos: do lance do argentino Desabato contra o Grafite (a torcida argentina dias depois estenderia uma faixa escrita “Grafite Macaco”), a torcida polonesa jogando bananas para um jogador negro, a torcida da Lazio estendendo uma faixa para a torcida da Roma, escrito “squadra de negri” (time de preto), a torcida do Juventude imitando em coro um macaco toda vez que um jogador negro tocava na bola e por aí vai, o que prova que o racismo não só existe entre os jogadores, mas também é um mal disseminado em algumas arquibancadas mundo afora.

Só quem sentiu na alma ser discriminado por causa da sua cor sabe avaliar o quanto dói ser agredido dessa forma.

Eu entendo perfeitamente o que o Manoel e outros jogadores negros sentiram ao terem sido discriminados. Está certo que a agressão pode ser sentida de modo diferente por diferentes pessoas. Em alguns pode ser menos intensa, em outros pode ser devastadora. Não importa. O agressor não sabe avaliar isso e pouco se importa com a consequência que isso trará para aquele que quer prejudicar.

Entendo porque meu pai é negro e logicamente carrego na minha pele o resultado da miscigenação. Lembro de um fato ocorrido no meu passado quando estudava num tradicional colégio luterano no centro de Curitiba. No começo não ligava muito para as piadinhas racistas dos meus colegas, a grande maioria luteranos descendentes de alemães, mas com o tempo isso foi me incomodando e me lembro de um episódio, quando estudávamos sobre os escravos, na terceira série, lá pelos idos de 1975, e começaram muitas gozações na aula e me senti muito mal, como nunca havia sentido, impotente, sem forças e chorei muito. Alguns coleguinhas mais bondosos ficaram junto de mim, mas o resto continuou com suas piadas. Tenho certeza que uma má influência esse episódio trouxe para a minha vida. E você não esquece nunca mais disso.

Eu, com apenas 9 anos de idade, não tinha consciência do que era aquela sensação ruim, mas era a minha dignidade de ser humano que estava sendo ali duramente afrontada. Uma sensação ruim, que só quem sentiu sabe o que é.

Algum tempo depois, lembro de um ex-colega de trabalho dizer porque havia se tornado atleticano ao vir de São Paulo: porque no primeiro Atle-tiba, estando no meio da torcida coxa viu um cidadão chamar o Djalma Santos de “negro” o tempo todo, como se fosse um xingamento. Ele me disse que ali se tornou atleticano por causa do racismo do torcedor coxa, ainda mais contra um ícone do futebol brasileiro.

Está certo que o futebol foi codificado por ingleses, que no Brasil nasceu aristocrático e que negros só vieram a adentrar os times bem depois dos brancos. Em alguns times, bem depois. Mas os negros revolucionaram o futebol mundial. Não tivessem sido os jogadores negros e o futebol provavelmente não existiria mais ou teria descambado para um jogo violento ao estilo de um rúgbi ou coisa parecida. O negro converteu o futebol em uma arte, quase perfeita, em um jogo de sonho, síncrono, de drible, de malícia, onde o fraco pode ganhar do mais forte e por isso atrai tanto as atenções e é o esporte mais popular.

O maior de todos os desportistas foi negro e brasileiro e é um nome que impõe respeito ainda hoje, aonde quer que passe. Que teria sido do futebol mundial sem Pelé, o maior gênio com a bola nos pés? Ou sem Didi, Eusébio, Zizinho, Djalma Santos, Jairzinho, Cubillas, Leônidas, etc?

Nem preciso falar muito sobre a importância do negro no futebol brasileiro. É altamente desnecessário.

Na sociedade de um modo geral e, em especial no futebol, deveria ser natural o respeito entre as pessoas, com cada um exercendo sua liberdade sem afetar a liberdade do próximo. Como na sociedade brasileira não existe esse respeito, a lei cumpre um papel primordial de prevenir o desrespeito e puni-lo. Leis contra motoristas bêbados, fumantes mal-educados e racistas são fundamentais numa sociedade atrasada como a nossa.

O que mais dói é a opinião de pessoas esclarecidas, jornalistas, dizendo que tudo não passa de hipocrisia, que isso é do jogo, que o fulano estava de cabeça quente, que isso e aquilo. Como se estivesse justificando o racismo. Como se no Brasil não houvesse o racismo, que isso seriamente só acontece na Europa ou na Argentina e que o nosso racismo é um racismo de brincadeirinha.

A essas pessoas que acham que vivemos num paraíso sem racismo, de brincadeirinhas inconsequentes, sugiro mudarem radicalmente seus conceitos e procurarem entender não o agressor, mas quem é vitimado por tal agressão. Aos torcedores racistas e ao Danilo e seus comparsas de Palmeiras que o defenderam, recomendo a leitura do clássico livro “O Negro no Futebol Brasileiro” escrito pelo jornalista Mário Filho, irmão do Nelson Rodrigues e que dá uma noção precisa da importância dos negros para o futebol brasileiro.

O racismo é intolerável e deve ser combatido tenazmente por todos aqueles que lutam contra injustiças e desigualdades.

E desde já aplaudo aqueles torcedores que hoje à noite manifestarão seu repúdio ao racismo e não toleram esse crime na sociedade.



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