O gigante rubro-negro
Se você não fosse atleticano ou não acompanhasse futebol, dificilmente iria imaginar que o londrinense Deivid Willian da Silva, um jovem tímido e com porte físico mediano (1.74m e 69 kg), poderia se transformar em um dos grandes marcadores do futebol brasileiro. Com um preparo físico invejável e um sentido de posicionamento aguçado, o volante de 22 anos superou todas as dificuldades para se tornar atleta profissional e, após sofrer com várias lesões e aguardar pacientemente por uma oportunidade, caiu nas graças da torcida atleticana, transformando-se no principal destaque do Furacão na temporada de 2011.
Deivid foi revelado pelo PSTC, principal parceiro do Atlético na última década. Com 16 anos, desembarcou no CT do Caju trazido pelo observador técnico Ticão, profissional responsável pela formação de diversos atletas que se destacaram com a camisa do Furacão nos últimos anos, entre eles os meias Jadson e Fernandinho, além do volante pentacampeão mundial Kleberson.
Com atuações destacadas nas categorias de base do Rubro-Negro, onde foi capitão, levantou troféus e alcançou uma semifinal de Copa São Paulo em 2007, Deivid logo chamou a atenção da comissão técnica da equipe profissional. Quando tudo parecia caminhar bem para o londrinense, o Atlético resolveu emprestá-lo para o Rio Branco, do Acre, mas a negociação não foi concretizada e o atleta foi reintegrado ao elenco de juniores. De volta à base, ele se destacou novamente, comandou o Furacão no título da Copa Tribuna de 2009 e, após uma contusão e um longo período de tratamento no CECAP, foi integrado ao elenco profissional, em janeiro de 2010, pelo treinador Antonio Lopes.
Desde então, o jogador não deixou mais o elenco principal atleticano, sendo utilizado com destaque pelos treinadores Leandro Niehues, Paulo César Carpegiani, Adilson Batista e, agora, Renato Gaúcho. A confiança da comissão técnica fez com que Deivid superasse, até mesmo, um período de ostracismo, vivido no primeiro semestre de 2011, quando não era aproveitado pelo treinador Geninho, e conquistasse definitivamente seu espaço no Atlético, adquirindo a confiança dos torcedores e realizando partidas exuberantes contra adversários que possuem jogadores de altíssimo nível, como o Flamengo de Ronaldinho Gaúcho, e o Santos de Neymar e Ganso.
Confira abaixo a entrevista exclusiva que o volante atleticano concedeu à Furacao.com:
Conte-nos como começou sua carreira no futebol.
Um pouco foi influência de família. Meu pai queria ser jogador, mas por alguns motivos acabou não realizando esse sonho. Além dele, eu tenho um tio que chegou a jogar como profissional no Londrina. Eu cresci com pessoas ao meu redor que gostavam de futebol. A partir dos seis anos, eu criei gosto por futebol e comecei a jogar. Minha mãe conta que tinha vezes que ela me batia, porque eu morava em frente à um campinho e saía de casa com o prato na mão direto para o campo. Sempre tive o apoio dos meus familiares, mesmo com as nossas dificuldades. Acho que Deus tinha uma promessa para mim e me deu um dom. Joguei vários campeonatos regionais pelo Jardim Paraíso, que era uma escolinha do meu bairro, e fiquei lá até os meus 12 anos. Um dia o Ticão me viu jogar e conversou com a minha mãe para me levar para o PSTC e fui, mesmo contra a vontade, porque tinha que ficar a semana toda no alojamento, só voltava para casa nos finais de semana. Passei na peneirada, fui conhecendo e comecei a ter uma visão melhor de ser profissional, até porque tudo até aquele momento era uma brincadeira. Coloquei na minha cabeça que queria aquilo pra minha vida. Fiquei três anos lá, aprendi muito e muita gente me apoiou. Tive algumas lesões, machuquei o joelho pela primeira vez lá, com 15 anos. Tratei e voltei a jogar, mesmo com dor.
“Muita gente me questionava” [foto: Georgia Andrade]
E como você chegou no Atlético?
Um dia, o Ticão chegou na minha casa e falou para a minha mãe que ia me levar para o Atlético. Na época eu achei que o PSTC tinha combinado com o Atlético, mas foi coisa do Ticão. Ele acreditava que em Curitiba eu poderia me tratar melhor e teria condições de me recuperar. Cheguei aqui no final de 2005. Minha mãe ficou com o coração apertado, toda a minha família morava junto, num terreno só, todo mundo sempre muito unido. Eu era muito tímido, só conversava mesmo com os meus familiares, então cheguei aqui, aquele menino franzino, quieto e machucado. Muita gente me questionava, mas o Leandro Niehues já me conhecia do PSTC e me ajudou muito, até porque ninguém vem para um clube estando machucado. Em 2006, o Atlético foi disputar a Copa Santiago e eu ainda era dúvida, mas integrei a delegação. No time tinha o Fernando Marolo, que tinha jogado na Seleção Brasileira. Fiz um bom treinamento e no primeiro jogo, contra o Internacional, o técnico Beto Médici disse que ia colocar os mais experientes e eu era um ano mais velho que o Fernando. Fui bem e continuei no time no segundo jogo, que foi um Atletiba. Arrebentei com aquele jogo, ganhamos deles e eu comecei a ter respeito entre os jogadores. Fomos surpreendendo no campeonato e chegamos até a final, mas acabamos perdendo para o Galo por 1 a 0, embora tivéssemos merecido a vitória. Voltamos a Curitiba com uma boa impressão e fui dando continuidade, mas acabei lesionando o joelho mais uma vez. Mesmo assim eu fui para a Copa São Paulo, onde nós ficamos em quarto, perdendo na semifinal para o São Paulo. A partir deste momento, mesmo com as lesões, os profissionais do Atlético passaram a acreditar em mim. Fomos para o México e fizemos um bom campeonato. Teve um jogo que o técnico me deu a faixa em de capitão, fiquei muito feliz e até fiz um gol. Estava numa fase muito boa até que senti o joelho novamente e não consegui mais jogar. Ainda quiseram me levar para a Taça BH, mas não teve jeito, sentia muita dor. Fiquei oito meses tratando a lesão, quase um ano parado, e pensei seriamente em desistir da minha carreira, até que um médico me levou para São Paulo, me examinou e disse que se eu não fizesse uma cirurgia eu nunca iria melhorar. Fiz e em um mês já estava me sentindo perfeito.
Quando foi sua estreia na equipe profissional?
Estreei em fevereiro de 2010, contra o Engenheiro Beltrão, sob o comando do (Antonio) Lopes. Quando ele colocou o Ronaldo (Alves, zagueiro), no Brasileiro de 2009, ele já havia dito meu nome na imprensa e me dava moral, mas me levou em uns 10 jogos e eu só fiquei no banco. Ele até comentava que eu precisava ter calma, que eu costumava chegar muito duro nas bolas e tinha que maneirar. Ele gostava muito de mim e aprendi muito com ele. Depois da saída do Lopes, o Niehues assumiu e eu joguei alguns jogos improvisado na lateral direita.
No começo de 2009, você acabou sendo emprestado para o Rio Branco, do Acre. Naquele momento você achou que seu futuro no Atlético já estava comprometido?
As diretorias se acertaram e fui pra lá. Cheguei e fiquei fazendo treino físico uma semana. Mas aí o treinador falou que o que o Atlético tinha negociado eles não iam conseguir pagar e falou que era melhor eu voltar. Voltei para Curitiba e a história teve uma repercussão ruim, pois falaram que eu faltei na parte técnica, sendo que eu fiz apenas físico, nem cheguei a ter treino. Fiquei abatido, mas voltei a treinar e o Marquinhos Santos, treinador da equipe de juniores do Atlético naquela época, já me conhecia e falou que era para eu trabalhar com ele que em um ano eu estaria no profissional. Ele confiou no meu potencial e eu tive um ano bom, comecei a aparecer. Fomos campeões em cima do Coxa e comecei a voltar à minha boa fase. Dito e feito, naquele ano o Lopes me colocou no grupo principal.
Por ser prata da casa, você se identifica mais com o time. Na má fase, você também sente mais que os outros jogadores?
Sinto porque é muito tempo que a gente vive aqui e quer sempre o melhor do clube. Quem é da base sabe, pra ter um futuro bom você tem que crescer junto com o clube. Se o clube cai hoje, não joguei em lugar nenhum. Como que você vai aparecer? Então você acaba criando um vínculo e um carinho muito grande. Quando eu era pequeno, o meu time era o Flamengo, por ser coisa de família, mas passando seis anos aqui não tem como, muda tudo. Hoje meu principal pensamento é o Atlético, é o clube que me paga e que me deu todas as oportunidades. Tenho muito amor pelo clube.
Recentemente você precisou marcar craques como Ronaldinho Gaúcho, Neymar e Ganso e foi bastante eficiente. Qual foi o jogador mais difícil que você enfrentou até hoje?
É difícil medir assim porque cada um tem a sua característica e seu ponto forte. O Neymar é um garoto rápido e habilidoso. O Ronaldinho Gaúcho, você não pode deixá-lo pensar. Se ele toma a frente, vai proteger a bola e já te complica. Mas isso é bom pra minha posição, porque se você for bem vai ser lembrado. Dentre todos os jogadores que enfrentei, o Montillo foi o que mais me deu trabalho. Enfrentei ele no ano passado, quando empatamos com o Cruzeiro, lá em Minas. Ele pensa muito rápido. O Eder Luis, do Vasco, é outro jogador muito difícil de marcar. O Adilson (Batista) me colocou mano a mano com ele. Consegui anulá-lo durante o jogo todo, mas vacilei em duas boas e ele já dificultou tudo. É um atleta muito veloz e eficiente do começo ao fim do jogo.
“Montillo foi o que mais me deu trabalho” [foto: Julia Abdul-Hak]
E o que aconteceu no lance entre você e o Neymar, na vitória contra o Santos. Vocês discutiram mesmo?
Teve dois lances parecidos em que ele reclamou. Um foi porque dei o carrinho e ele não gostou. Quando a gente dá o carrinho, geralmente protegemos com o pé, então a trava da minha chuteira acabou raspando na coxa dele. Aí ele apontou o dedo e falou Pra quê fazer isso? Fiquei quieto, não sou de entrar em discussão. No segundo lance, ele ficou mais brabo porque era falta nossa, ele foi querer segurar a bola, fui pegar, dei uma rasteira nele e ele caiu. Aí ele disse Já está apelando, hein? Mas foi erro dele de querer atrasar o lance, estava 2 a 2 e queriam segurar o resultado, né…
Nos juniores, você atuou algumas vezes como líbero, entre dois zagueiros. Como você prefere jogar? Como líbero ou primeiro volante?
Prefiro jogar como volante porque a minha maior característica é marcar, roubando a bola do adversário. Na sobra às vezes uma ou outra bola você tem que dividir. Volante mesmo de marcação você está em ação o jogo todo e se movimenta mais. Na sobra você fica mais parado, é mais inteligência.
Com suas características de jogo, você prefere jogar como único volante eminentemente de marcação ou prefere um esquema com dois volantes de marcação?
Isso varia muito de acordo com cada adversário, não tem como falar muito porque às vezes você joga com dois volantes e eu posso sair um pouco mais. Quando tenho oportunidade até gosto, mas não sou de conduzir a bola. Como tenho bom pulmão e boa resistência, consigo escapar mais. Igual o Renato faz hoje, como primeiro volante, fica nítido que a minha posição é marcar e assim acabo me destacando pelo que mais sei fazer.
O Atlético teve uma grande deficiência nos últimos anos nessa posição, que é uma das mais importantes no futebol atual. Quem atualmente na posição o inspira? E no passado?
Não é que eu me inspire, mas quem eu vejo hoje que é bastante parecido comigo, que tem identidade com o clube é o Willians do Flamengo. É difícil você achar hoje em dia um volante de marcação e hoje o Flamengo está bem e tem um cão de guarda que protege a zaga. Outro que também sempre fez a diferença e ainda está jogando e eu gosto é o Gilberto Silva. Nunca foi craque, mas foi eficiente onde jogou. Do passado, sempre gostei do Andrade, que quase não fazia faltas e não errava passes.
Qual sua opinião sobre a ajuda dos mais experientes no time?
É fundamental. Às vezes o jogador fica tem muita ansiedade, vontade de ganhar e marcar bem e eu sofria muito com isso. Então os mais experientes acabam falando sobre posicionamento, pra ter mais calma, até para poder me reservar mais para aguentar o jogo todo. Isso foi uma das coisas que me ensinaram que hoje vejo que é fundamental.
“Tenho um carinho imenso pelo Atlético” [foto: FURACAO.COM/Joka Madruga]
Tem sonho de jogar em um clube do eixo Rio-São Paulo ou Europa em breve ou prefere ficar um pouco mais de tempo e fazer história no Atlético?
É difícil falar porque vontade todo mundo tem, mas tenho um carinho imenso pelo Atlético. Conforme você vai crescendo em campo o clube também precisa te ajudar fora dele. Se tiver valorização e ajuda financeira a minha vontade é ficar. O eixo Rio-São Paulo todo mundo sabe que a valorização acontece. Se você faz um bom campeonato e joga bem durante o ano todo, a chance de ter uma vida melhor é muito mais fácil. Mas, no modo que venho jogando hoje, se houver uma valorização, a minha vontade é continuar no Atlético. Conheci muitas pessoas, gosto da cidade. É diferente de você sair daqui para outro clube e ter que começar do zero. Hoje posso dizer da torcida, é gostoso esse vínculo, tudo fruto de trabalho. Se você corresponde bem em campo, você traz o torcedor a seu favor. Hoje estou feliz, abro o meu Facebook, ou um jornal, e vejo todo mundo comentando e querendo me ajudar por saberem da minha situação aqui no clube, eles se preocupam. Isso me deixa feliz, me motiva a jogar porque sei que vou entrar em campo e terei apoio.
A torcida atleticana costuma pedir aos jogadores a mesma raça com que se inflama nas arquibancadas. Como jogador que tem essas características de pegada, vibração e marcação, como você vê este fato?
Na verdade, tem que ser uma mescla. Acho que a raça tem dois lados: você ser um cara brigador ou aquele que luta pelo clube. É difícil achar hoje em dia um jogador que tem raça e com as minhas características, mas não pode nunca faltar vontade. Esses dias me perguntaram como eu via esse fato de, mesmo com três volantes, eu sou o que mais se desgasta. Sou sim, mas no atual momento, com o time numa crescente, me sinto privilegiado por marcar porque sei que vai ter um Kleberson e um Cleber Santana que vão dar continuidade e dão conta do recado. É difícil quando você corre e ninguém faz nada, ninguém dá sequência. Nos treinos às vezes até levo dura porque chego forte e me dedico bastante.
Sua característica de jogo não costuma lhe dar grandes oportunidades de gol. Já fez algum gol pelo profissional? E nos juniores?
Pelo profissional não, mas na base fiz alguns. A maioria foi de fora da área, quando arriscava chutar uma vez ou outra. Chance de chegar na cara do gol é mais difícil. Mas ainda sonho em fazer um gol chutando de fora da área, até treino quando tem finalização, mas trabalho mais a marcação e a resistência. Se um dia vier, será bem vindo e vai acrescentar na minha carreira, mas se eu sair de um jogo sabendo que meu dever foi cumprido, já vale como um gol.
Gostaria de deixar uma mensagem para a torcida atleticana?
Quero deixar meus agradecimento pelo apoio e que juntos possamos mostrar a força da nossa nação e que esta camisa deve ser respeitada. Fiquem com Deus.
Entrevista: Monique Silva e Eduardo Betinardi