15 ago 2011 - 14h21

A raça tem nome

Poucos jogadores cravaram seu nome na história do Atlético Paranaense como Cocito. Campeão brasileiro em 2001 e vice-campeão da Libertadores em 2005, ele conquistou a admiração da torcida não só pelo desempenho dentro de campo, mas também pelo comprometimento com a causa rubro-negra. Sinônimo de raça e total entrega dentro de campo, com ele não tinha jogada perdida. Verdadeiro cão de guarda no meio-campo atleticano, os adversários não tiveram moleza quando o camisa 5 esteve por perto.

Filho do também volante Moisés, que jogou no Santos no início dos anos 60 ao lado de Pelé, Cocito continua sendo unanimidade entre os torcedores atleticanos quando o assunto é determinação, raça e dedicação. Em duas passagens pelo Atlético, o ex-volante conquistou nada menos do que oito títulos: Seletiva para a Libertadores de 99; Copa Paraná de 2000, cinco Campeonatos Paranaenses (1998, 2000, 2001, 2002 e 2005) e o Campeonato Brasileiro de 2001. Único jogador que atuou nas três edições da Copa Libertadores em que o Atlético esteve presente, Cocito mostrou que futebol é coisa séria. Sua imagem berrando firme e forte com as redes entre as mãos após salvar uma bola em cima da linha num Atletiba em 2002 ainda está viva na mente de muitos atleticanos.

Sempre demonstrando vontade e espírito de luta nos anos em que vestiu a camisa rubro-negra, Cocito hoje se dedica ao ramo da construção civil. Depois de pendurar as chuteiras, decidiu fixar residência no Paraná e se tornou sócio de uma empresa que atua em São José dos Pinhais. Mesmo assim, não perdeu o vínculo com o esporte. Continua jogando futebol às sextas-feiras com um grupo de amigos e está diariamente ligado em tudo que acontece no Atlético, principalmente nas redes sociais, onde interage com seus fãs rubro-negros.

Nesta entrevista exclusiva à Furacao.com, Cocito não fugiu de nenhum assunto. Pelo contrário. Foi às lágrimas ao recordar do episódio envolvendo o meia Kaká em 2001, quando não conseguiu evitar um escorregão e atingiu o então meia são-paulino, que teve que deixar a partida. Crucificado pela imprensa, acabou ficando marcado para a mídia do eixo Rio-São Paulo como jogador violento e até desleal. “Minha família sofreu mais do que eu”, contou, lembrando que foi “absolvido” pelo próprio Kaká.

Prestes a completar 34 anos, Cocito falou de seu começo no futebol, alegrias, momentos difíceis lidando com lesões e a dificuldade em pendurar as chuteiras. E claro, dos grandes momentos vividos vestindo a camisa rubro-negra – aquela que só se veste por amor.

Como foi o seu início de carreira no futebol?
Comecei a jogar nas escolinhas em Batatais, perto de Bebedouro, onde nasci. Certo dia, lá pelos 11 anos, um amigo meu me levou para ir treinar no Batatais Futebol Clube e, naquele mesmo ano, disputamos um torneio, a Liga Ribeirão Pretana, onde fomos campeões em cima do Botafogo de Ribeirão Preto. Fui convidado para jogar lá em 89, mas meu pai não deixou por causa dos estudos. No meio de 90, depois de insistirem bastante, ele me deixou ir, mas só às quintas-feiras. Meu pai, que já tinha sido jogador, nunca me levou, e disse que fez isso para eu nunca duvidar da minha capacidade ou depois dizerem que eu só estava jogando por causa dele, que era delegado de polícia e já tinha sido profissional por vários clubes, inclusive jogando com o Pelé no Santos de 64. Disputei um campeonato pelo dente de leite e em 91 subi para o infantil. Ficamos em 3º lugar no Paulista e eu subi para o juvenil em 93, jogando uma ou outra partida. Tinha problema do transporte, já que às vezes o clube não dava o passe, e eu ficava semanas sem ir. Mas continuei e em 94, que seria o meu segundo ano de juvenil, o treinador falou que eu estava acima do nível dos demais e estava perdendo tempo. O José Mário Crispim, que gostava de mim, subiu para treinar os juniores e então acabei nem jogando pelo juvenil. Naquela época você jogava nos juniores até os 20 anos, então comecei a treinar e em pouco tempo já era titular. Depois de ser campeão paulista, quando seria o meu primeiro ano como júnior, subi para o profissional e, no final daquele ano, fui pra Seleção Brasileira, onde tive quatro convocações. Fizemos uma série de amistosos no Mato Grosso e em 96 já comecei a jogar pelo Botafogo. Só que eu quebrei o pé, já estava com uma lesão de menisco desde a final do Paulista de 94, então aproveitei para fazer uma cirurgia no joelho e voltei a jogar. Só que acabei quebrando o pé no mesmo lugar, na véspera de um jogo, durante um rachão. Fui chutar a bola e quebrei de novo, por isso não fui mais para a Seleção. Nesse meio tempo de convocações apareceram propostas do São Paulo, Grêmio e Vasco, mas o Botafogo nunca me liberava, todas eram para empréstimo e eles queriam me vender. Tive uma continuidade maior, em 97 disputei outro Paulistão e em 98 estava disputando a Série A2 quando coloquei na cabeça que iria sair de lá. Eu me dediquei na pré-temporada para poder sair, comecei o campeonato muito bem, sempre pensando que alguém podia estar me vendo jogar. Infelizmente não conseguimos o acesso naquele ano, joguei com uma lesão no púbis e naquela época ainda não tinham muitos casos de jogadores com esse tipo de problema. Fui pra casa ver se achava algum médico pra descobrir o que eu tinha e nesse tempo apareceu o Atlético. Foram lá para ver o Lucas e o Gustavo, já que eu estava lesionado, mas as pessoas comentavam: “Pode levar os dois, mas leva o Cocito também”. Deram a eles um vídeo com os meus lances, meu histórico, as convocações da Seleção e viemos para o Atlético.

Aí que eu queria chegar, o momento em que o Atlético entrou na sua vida. Como foi a negociação?
Cheguei em abril de 98, machucado, mas já comecei o tratamento do púbis, sem ter que fazer cirurgia. Me dediquei, melhorei e todos estavam esperando pela minha estreia, que foi em setembro daquele ano, contra o Guarani. Ganhamos de 4 a 0 na Vila Capanema. Joguei o primeiro tempo e, mesmo melhorando, tinha muita dor e sempre estava à base de antiinflamatórios. O time estava mal no campeonato, acho que éramos lanternas. Só que três dias antes desse jogo, durante um treino, ainda não podia chutar com a perna esquerda, sobrou um lance, me jogaram na ponta, chutei e pareceu que arrebentou de vez. Tomei injeção e tudo, como não ia jogar? Iam falar que eu estava pipocando, o time mal, pensei comigo, agora vou ter que ir com tudo. E fui. Nem marquei direito, não fui tão mal, mas saí no intervalo. Cheguei chorando no vestiário dizendo ao Dr. Edilson (Thiele) que não aguentava mais. Fiz ressonância naquele dia e estava tudo estourado. Operei em outubro e só voltei a jogar em janeiro do outro ano. Ou seja, de abril de 98 até o final do ano só joguei meio tempo. Voltei para a pré-temporada sem sentir nada e recuperado. Disputamos o Paranaense, na semifinal perdemos para o Coxa, fui dar um carrinho e tive lesão no ligamento colateral do joelho. Fomos desclassificados, chegou o Vadão e eu não estava em igualdade com os meus companheiros, o Axel, o Fabiano, depois veio o Marcus Vinícius. Começou o Brasileiro e eu estava fora do time. Um dia o Moraes, falecido supervisor do Atlético, me chamou na sala e disse que o Londrina me queria para jogar a Série B. Eu, vendo que tinha condições de jogar no Atlético, falei que não queria ir, mesmo ele dizendo que ia ser difícil eu jogar aqui. Mas com muita dedicação nos treinos, o Vadão começou a ver o meu esforço. O próximo jogo era contra o Juventude, em Caxias, e o Axel estava machucado. Daí um ex-treinador meu, o Marco Antônio Machado, que estava trazendo uns jogadores pra cá, conversava com o Vadão, fui cumprimentá-lo e ele logo perguntou por que eu não estava jogando. Falei que estava voltando de lesão, mas treinando firme e o Vadão emendou: “Então se prepare que se o Axel não jogar, você vai pro jogo”. E assim eu fui titular pela primeira vez com o Vadão. Até tomei uma dura dele naquele jogo, porque dei uma letra num lance da partida. Naquela época não tinha fama de malvado e a torcida deles até bateu palmas pra mim. Depois de 2001, claro, era xingação por todos os cantos. Ele me disse: “Pô, Cocito, quer fazer graça”? Mas foi recurso de jogo. Depois jogamos contra a Ponte Preta aqui, ganhamos de 1 a 0, depois Guarani lá, ganhamos de 2 a 1. Perdemos pro Vitória fora e o próximo jogo era contra o São Paulo, ganhamos de 4 a 1. Fui jogando até a partida contra o Vasco, onde fui expulso, ficamos em nono lugar e nos classificamos para disputar a Seletiva. Comecei em 2000 jogando, depois o Axel e o Fabiano saíram e chegaram o Luís Carlos Goiano e o Silas. Nessa época, após uma expulsão contra o América-MG, acabei perdendo meu espaço e com a volta de Lucas e do Adriano da Seleção Pré-Olímpica a equipe entrosou e não perdeu mais. Eu fiquei na espera, mesmo muitos dizendo que não entendiam como eu não era titular daquele time.

Em sua primeira passagem pelo Atlético, você marcou apenas dois gols. O primeiro foi na goleada por 4 a 1 contra o Coritiba, na Seletiva da Libertadores, em 99. Como foi aquele dia?
Na concentração, estava com o Lucas e o Gustavo jogando videogame, fiz um golaço e brinquei: “Vou fazer um gol desse amanhã no jogo”. Jogo no Couto Pereira, estava no banco, primeiro tempo 1 a 0 (para o Coritiba), mas já era pra estar uns cinco. Aquele sufoco, o time deles era muito bom, só bola na trave. Aí o Leonardo se machucou, o Fabiano foi para a zaga e o Vadão me colocou. Entrei bem, motivado, gritando com todo mundo pra levantar o astral do time e, aos 20 minutos, fiz o gol de empate. Sem modéstia, um golaço!

Depois do lance com o Kaká, grande parte da imprensa nacional te rotulou como “jogador violento”. Isso te incomodava?
Me incomodava muito porque sabia que não era verdade, não gosto de injustiça. Se é comigo ainda sei me proteger, mas ficava chateado porque tenho filhos, pai, mãe, esposa, e eles sofreram mais do que eu (lágrimas). Ele (Kaká) mesmo me inocentou e falou que não tive maldade no lance, nem amarelo levei. Aliás, saí daquele jogo com cinco pontos no queixo e com o joelho machucado de uma pancada que levei. Me diga quais outros lances, nos meus 15 anos de carreira, qual cotovelada dei em quem? Não tem lance para me tachar do jeito que me tacharam. Quando era contratado no Vila Nova, no Boavista, esses meus últimos clubes, eu via nos sites: “o ex-brucutu do Atlético e do Corinthians”, mas não tem nem o nome da pessoa assinando a matéria, colocam agência tal ou redação. Quantos trabalham lá? Isso chateava muito. Tomei cartões, mas pela quantidade de jogos que fiz, muitos foram injustos. Fui expulso na Libertadores contra o Olmedo, fui dar uma letra e perdi o equilíbrio, mas no lance ainda saiu o gol do Luisinho Netto. O rapaz em quem dei o corte estava atrás de mim, nem vi ele chegar, veio pra cima e fui expulso. Às vezes acontece de ser o segundo amarelo no jogo. Não sou santo, sempre chegava firme, às vezes podia chegar atrasado na bola e levar um cartão merecido, mas passar pra deslealdade, aí já é demais. Chegaram a comentar: “Será que o Geninho mandou o Cocito tirar o Kaká do jogo?” Mas nem ele e nem o Papa vão dizer o que eu tenho que fazer. Se fosse pra tirá-lo de jogo eu teria dado uma porrada nele, não teria escorregado e puxado a camisa como aconteceu. Ele já estava com o tornozelo ruim, já tinha torcido antes e somente piorou. Até na Espanha, em 2006, quando estava no Tenerife, saiu uma manchete num jornal de lá dizendo “Treinador recorre ao homem que fez Kaká chorar”. Pô, lá na Espanha e o cara escreve isso? Sofri muito depois por isso com os juízes, não podia fazer uma falta normal que eles já me intimidavam, levava cartão com 10 minutos de jogo e não podia fazer mais nada.

Mas por outro lado a torcida atleticana sempre viu em você um atleta com muita raça, vontade em campo. Esses eram os diferenciais do jogador Cocito?
Olha, eu não admito jogador que não tenha raça. Por isso sempre brigava com os outros. O mínimo que o jogador tem que ter é raça, é disposição. Falta muito jogador com esse espírito hoje em dia. E não era só eu que fazia isso no Atlético, era o Gustavo, era o Lucas, enfim, tem que estar no sangue. Fica difícil um só brigar com 30, então tem que ter um grupo que chame todo mundo, que todos puxem a corda para o mesmo lado. Em todos os clubes por onde passei sempre falei e ajudei. Se não era capitão estava ao lado dos que eram, até porque capitão sozinho não faz nada, tem que ter outros pra ajudar também. Fora que tem vir desde o comando lá de cima. O Petraglia, por exemplo, em 2005, quando o time estava mal, ele fazia reunião e dizia que se caísse, todo mundo ia ficar, que ele não ia facilitar a saída de ninguém. Então tem que primeiramente agradecer a Deus por ter boa saúde, por ter um bom salário, estar empregado em um grande clube. Jogador quer mais o quê? Tem fama, tem tudo. Então se dedique, honre a camisa, o teu empregador e a torcida, ainda mais se for apaixonada como a do Atlético. Tem que ter caráter.

Você é até agora o único jogador da história do Atlético a ter participado de todas as Libertadores de América que o clube disputou. Como foram essas competições?
Em 2000 fizemos uma grande campanha na primeira fase e eu entrava em alguns jogos, mas sempre nos mais difíceis. Contra o Emelec, lá no Equador, o Lucas tinha sido expulso e aos 20 minutos do segundo tempo, o Vadão me chamou com o Silas e tirou os dois volantes. Fiquei sem entender. O jogo estava difícil, o bicho pegando e nós com um a menos. Mas enfim, pra mim não tem fogueira, entrando pra jogar está bom demais e é nos momentos difíceis que você tem a chance de mostrar o seu trabalho. Aí no jogo contra o Nacional, o time ganhando por 3 a 0, Lucas fazendo dois gols, jogo bom de se jogar, pensei: “Vou entrar”. Fiquei aquecendo e o Vadão não me colocou. Fiquei nervoso, até rasguei o colete naquele dia. Pensei comigo: quando o bicho está pegando eu entro, mas quando está ali, aquele “filé mignon”, não posso nem entrar pra brincar e jogar naquele estádio bonito (risos)? Na outra semana fui conversar com o Vadão, com o maior respeito, para saber o que precisava fazer para melhorar, sem desrespeitar os jogadores da posição. E entendi ele, é duro administrar tantos jogadores, todo mundo tem a mesma vontade. Fizemos uma boa primeira fase, depois perdemos para o Galo, aquela fatalidade nos pênaltis, numa partida em que estávamos ganhando. Em 2002 não foi muito legal, todo mundo esperava muito da gente, por termos sido campeões brasileiros, até porque o time manteve a base, mas acho que foi o atropelamento da programação. Chegamos mais tarde que os demais e não fizemos uma boa pré-temporada como estava na programação. Não é desculpa, mas acho que acabou influenciando. Em 2005 comecei jogando, depois o joelho começou a incomodar, aliás, no Grêmio em 2004 já incomodava. Em 2005 voltei para o Atlético e o meu joelho já estava começando a me prejudicar em campo. Mas sempre joguei, mesmo com dor. Cansei de tomar infiltrações pra poder jogar. Depois do jogo contra o América de Cali fiquei alguns jogos afastado, mas me recuperei e voltei. Muita gente não esperava muito daquele time, que podíamos ter ido tão longe, mas acho que a história poderia ser diferente se tivéssemos jogado a final aqui. No Beira-Rio foi campo neutro, aqui na Baixada é outra coisa. A gente tem o lugar certo pra sentar no vestiário, lá todo mundo estava perdido. Na Baixada a gente sabe onde ajoelhar na hora de rezar. Por isso, poderia ter tido uma sorte melhor. Mas fizemos bonito, principalmente aquele jogo chave contra o Santos aqui. Foi um dos meus melhores jogos, Santos com aquele time, Robinho, Deivid, Ricardinho, Léo, e a gente jogando com um a menos porque o Alan Bahia tinha sido expulso. Foi um baita de um jogo e ali vimos que tínhamos condições. A garra, a determinação e a união prevaleceram.

Em 2005, o que você acha que o Atlético tinha de diferente que o levou à final da competição?
Em 2004 o time já havia sido vice-campeão e até permaneceu bastante gente no elenco. Acho que o foco foi diferente, todo mundo estava determinado, querendo buscar e fazer seu melhor. O time não tinha vaidades, essa coisa de um querer aparecer mais que o outro. Tinha muita humildade.

No começo de 2005 você voltou ao Furacão. Mais um estadual conquistado e uma Libertadores que bateu na trave. Como você destaca essa sua volta ao Atlético?
Foi muito gratificante voltar. Hoje em dia se comenta muito que alguns ídolos ou campeões voltam ao Atlético e não dão certo. Depois que fui campeão brasileiro fui pro Corinthians e Grêmio e quando voltei achei que foi uma grande volta, pois fui campeão estadual mais uma vez, meu quarto campeonato conquistado, fora o Paranaense de 98 em que aqui já estava. São poucos jogadores que têm essa marca e ter chegado a uma final de Libertadores também. Eu já tinha jogado as duas primeiras do Atlético e disputei uma pelo Corinthians. Quando criança pensava um dia em disputar um Campeonato Brasileiro e consegui disputar quatro Libertadores. Sempre digo que a minha maior frustração foi não ter sido campeão em 2005, até porque tínhamos condições, principalmente decidindo na Arena. O São Paulo não era um Barcelona da vida, tanto que empatamos no Beira-Rio após estarmos na frente e no Morumbi tivemos oportunidade de empatar no finalzinho do primeiro tempo, onde acho que poderia mudar muita coisa.

Após o belo primeiro semestre, veio a proposta do Tenerife. Como foram as negociações com o clube espanhol? Era sua vontade sair naquele momento e se arriscar no futebol europeu?
Quando saí do Grêmio tive propostas de times do Japão e de Portugal. Mas naquele momento o Petraglia não quis me liberar. Sempre estive preso ao Atlético. No final da Seletiva eu, o Alberto, o Lucas e o Gustavo fomos pro Uruguai e nos federamos por lá, eu no Rentistas. Em março de 2000 quando saiu a Lei do Passe todos os jogadores se beneficiaram e nós não. Então sofri demais, até mesmo no Atlético. Fui tricampeão paranaense, tinha acabado de ser campeão brasileiro e fiquei treinando um mês no CT com o Gustavo sem ser valorizado. Outros tinham contrato acabando em 2003 e já estavam renovando pra mais três anos por causa da lei. Então deixei de ganhar muito dinheiro enquanto tinha propostas da Turquia, Grécia e Espanha etc. Em todos os jogos fui bem no Corinthians, fiz uns 14 jogos por causa das lesões e estiramentos, coisas que nunca tinha tido. Quebrei o pé e fiquei um tempo parado, queriam até renovar, mas ia ter confusão com a torcida. Acabei não ficando, apareceu o Grêmio e ressurgi de novo. Então vim pra cá e coloquei a cabeça no Atlético. Depois apareceu o Tenerife, fui tirar meu passaporte italiano e foi mais uma novela. Saí daqui bem e fui para lá. Estreei no final de outubro porque tive problemas com o passaporte. Comi o pão que o diabo amassou, mas foi mais uma dificuldade vencida, mais um troféu. Consegui jogar e fui bem, atuei até de zagueiro nos jogos finais e o time não caiu.

Além do Tenerife, você atuou também pelo Real Murcia. Você foi titular na maior parte do tempo, como foi essa experiência no Velho Continente?
No Real fiquei só três meses. Cheguei lá por volta de julho, treinando forte e perdendo peso para poder jogar bem. O treinador gostava muito de mim, o time subiu pra primeira divisão, mas acabei não ficando. Meu joelho começou a travar, não sabia o que era, sentia uma dor insuportável. Fiz exames e os médicos disseram que eu precisava fazer uma artroscopia, mas não imagina que fosse ficar tanto tempo sem pisar. Fiz a cirurgia e tinha que ficar 60 dias sem colocar o pé no chão. Fiquei 58 dias e tudo sozinho. Aqui no Brasil tem todo um acompanhamento, um te ajuda com apartamento, outro com colégio e tudo mais. Lá é totalmente diferente. Tive dificuldades com o estudo do meu filho mais velho, liguei pro meu empresário e falei que estava vindo embora. Isso que lá a gente recebia bicho sem jogar e a premiação era igual pra todo mundo. Mas rescindi e vim embora.

Fortaleza, Avaí, Boavista e Vila Nova. Estes foram seus últimos clubes entre 2007 e 2009. Conte-nos um pouco dessas experiências do Nordeste ao Sul do país.
Fiquei mais uns seis meses sem jogar depois da cirurgia e fui em março do outro ano para o Fortaleza. Tive convite pra voltar à primeira pelo Sport, mas o Fortaleza não me liberou, a multa era alta. Todo mundo tinha dúvida, eu mesmo não sabia se tinha condições de jogar mais ou não. Fiquei lá até o final daquele ano e tendo lesões que eu nunca tinha tido, até mesmo musculares. Mas sempre aos trancos e barrancos. Acabamos ficando em quinto, quase que subimos. Fiquei um tempo sem contrato, os caras querem sempre os mais jovens. Fui pro Avaí, comecei a treinar e mais lesão. Fizemos um amistoso contra a seleção da Jamaica e tive uma lesão na panturrilha. Quando começou a Série B estava bem e subimos. Depois não apareceu mais nada, só umas coisas pra China, mas queria ficar mais com a minha família e nunca fui apegado à dinheiro. Nunca tive grandes pretensões a não ser cuidar da minha família. Apareceu o Boavista, me falaram que era bom e eu ainda tinha condições, mesmo com as dores. E depois o pessoal do Vila Nova foi me assistir lá pra ver se eu estava aguentando mesmo e acabei acertando.

Como você encarou esse final de carreira no futebol profissional? Em que momento você viu que não dava mais?
Na época do Vila Nova eu estava bem, fiz uma boa estreia e isso acaba criando um novo ânimo, até porque esperava jogar até uns 36 anos. Todo mundo me elogiava, mesmo alguns falando que eu não tinha qualidade técnica, mas era por causa dessa fama de violento, todo mundo pensa que eu só sabia bater e marcar. Mas em todos os lugares por onde passei os jogadores vinham me questionar porque tinha a fama de violento, sendo que tinha uma boa qualidade técnica. Só não mostrei mais por excesso de responsabilidade. Mas por que os treinadores gostavam tanto de mim? Eu me privava das minhas habilidades técnicas, de poder mostrar e jogar mais. Quem não gosta de ir pra frente? É muito melhor ficar com a bola do que ficar correndo atrás do outros. Mas meu joelho já não estava mais dando conta e lá no Vila Nova teve um lance que eu apoiei a perna esquerda e perdi a força, não tinha mais arranque. Voltei pro segundo tempo e não dava mais. Fiz as injeções que me falaram pra ver se melhorava, voltei a treinar, mas não era a mesma coisa. Fiz ressonância e comprovou o esperado, lesão de cartilagem, pior até que ligamento. Continuei treinando com aquela esperança de melhorar, até que num jogo contra a Campinense, novembro de 2009, meu joelho parou de novo. Aquele jogo não gosto nem de ver. Se você assiste ao primeiro tempo não acredita que parei de jogar naquele jogo. Estava chegando na frente, marcando bem e acertando todos os passes, só que não dava mais. Cheguei no banco e falei pros jogadores: “parei de jogar hoje”. O Alex Dias falou que ia me levar no médico, mas falei que não dava mais. Não conseguia mais render. Até pensava em tentar de novo, vai que melhorava, mas vi que não tinha como. Pensei, tudo tem um começo, meio e fim e o meu final infelizmente havia chegado.

Ao contrário da maioria dos jogadores que continuam no meio após parar de jogar, você resolveu se arriscar em outro ramo. Como está sendo essa vida do Cocito empresário do ramo de construção civil?
Em 2007 eu já tinha começado a investir em construção. A gente constrói sobrados e vende em São José dos Pinhais. Sou sócio de um primo da minha esposa, que é engenheiro, junto com o Lucas. É tranquilo, vou mais para acompanhar as obras e às vezes dou uma de intrometido. Até fiz alguns negócios com os jogadores no começo de 2010, até porque tenho muitos contatos e credibilidade. Mas só isso não vale. Tem alguns empresários bons, mas a maioria são ruins e fazem muita sacanagem. E eu não vou me beneficiar de algo ou prejudicar ninguém. Não sirvo pra isso, tem muito esquema nesse meio. Acontecem muitas situações chatas e vi que não era pra mim. Agora tenho tempo mais para ficar com a minha família.

Já era essa sua ideia após aposentar ou você chegou a cogitar a ser empresário de jogadores ou treinador?
Não. Sobre ser treinador muita gente perguntava, principalmente no final da minha carreira. A princípio não penso até porque quero poder ficar mais com a família. Ser treinador é algo muito incerto, toda hora você está num lugar diferente. O Rogério (Corrêa) até me convidou para ser auxiliar dele lá no Anapolina. Mas tem que ter um projeto, tem que valer a pena, não só financeiramente. Não posso dar a cara pra bater em qualquer lugar, tenho que me dedicar.

Qual o paralelo que você traça entre a vida de jogador e a vida de empresário?
Tudo tem que ter empenho e dedicação. Não só na vida de jogador ou empresário, qualquer uma. Sem isso, nada vai pra frente.

Tem sobrado mais tempo agora para a família? Como é o Cocito brigador e raçudo fora das quatro linhas?
É melhor a minha esposa falar (risos). Fico bastante em casa e adoro churrasco. Toda semana estudo com meus filhos, cobro bastante. Gosto de cozinhar e passear, sou bem família. Sempre jogo bola às sextas-feiras, minha pelada sagrada. Dou lá minhas bicicletas e até pedalo (risos).

Apesar da imagem de jogador duro, você por onde passou fez grandes amizades. Quais seus principais amigos no meio futebolístico?
O Gustavo e Lucas sempre foram muito próximos, sempre nos ajudamos desde o início de carreira. Tem o César Michelon, que jogou na Portuguesa, Seleção Brasileira, no Rennes e joguei com ele no Corinthians, Tenerife e no Fortaleza. Tem o William Fabro e o Rodriguinho também. São esses os que tenho mais contato, mas tem outros que também tenho muito carinho como Rogério Corrêa, Rogério Souza, Gabiru, enfim, fica até chato citar alguns e deixar outros de lado, mas tenho carinho por todos que fizeram parte da minha história.

Gostaria de deixar alguma mensagem para a torcida atleticana?
Primeiro tenho que agradecer porque os meus momentos mais felizes que tive profissionalmente foram no Atlético (lágrimas). Tive a frustração de não ter sido campeão da Libertadores, mas fui muito feliz aqui, vivi momentos maravilhosos. A torcida sempre teve paciência comigo e, mesmo quando a imprensa do eixo Rio-São Paulo me criticava, eles nunca entraram na onda, sempre me trataram com carinho e respeito. Quando saio na rua tem uns que me falam que tenho que voltar a jogar. Me arrepio até hoje quando vejo a torcida do Atlético cantando, me dá uma vontade incrível de estar no campo podendo ajudar de alguma forma, mas daí vem a realidade e vejo que meu tempo já foi, embora sempre sonho que estou jogando e defendendo o Atlético. Passei por times como Botafogo (SP), Corinthians, Grêmio, Tenerife, Real Murcia, Fortaleza, Avaí, Boavista (RJ), Vila Nova, mas nunca me identifiquei tanto quanto com o Atlético Paranaense e sua magnífica torcida. Só tenho a agradecer à nação atleticana pelos cinco anos e meio de muito carinho e respeito. Dentro e fora de campo meu sangue sempre será vermelho e preto. Que Deus abençoe a todos com muitas alegrias.



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