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21 ago 2012 - 16h43

Bandeira 2

São símbolos de uma nação: as armas, o hino, o selo e a bandeira. Representações que aduzem identidade, nos mais diversos planos, principalmente o sentido pátrio. Nestes dias, Rafael Lemos fez uma coluna contando uma história que posteriormente confirmou ser uma história com H, sobre “bandeira”. Eu também tenho a minha. A minha história.

Aos cinco anos de idade (69), meu pai parou de me levar no Joaquim Américo porque estouraram um foguete no meu ouvido, ele quis proteger o filho que começou ali naquela oportunidade a ficar demi-surdo. Mas eu tinha tios que me roubavam lá de casa de vez em quando e eu ia com eles – filhos do primeiro ponta-esquerda (Camargo, Alípio, meu avô, irmão do meia Lourival C. Mello) do Atlético, vindo do Internacional – assistir os jogos à sombra dos pinheiros da Baixada. Mas só num tempo, porque no outro a gente caminhava no intervalo para ver o jogo do outro lado, sempre no gol adversário: como era gostoso atravessar as arquibancadas, íamos encontrando amigos, papeando, acenando, torcendo, refri, sanduba, aquela coisa toda. Aquele pão com bife era horrivelmente delicioso. E uma coisa que jamais se repetirá: a gente era feliz e não sabia.

Aí nós mudamos do Batel pro Alto da XV em 77 e meu pai faleceu no ano seguinte. A Baixada ficou longe, meu pai mais ainda. Minto: os dois ficaram cada vez mais perto, e eu não sabia. Aí eu comecei, com 14 anos, a frequentar o Belfort Duarte, porque o CAP passou a mandar um sem número de jogos lá, perto de casa. Tempo em que se podia sair de casa com a camisa do clube em dia de jogos. Mas meus tios desistiram de ir a campo, parte dos meus amigos eram coxas e outra parte não curtia futebol e sim automobilismo, o que eu detesto até hoje. Valores.

Foi então que eu fiz uma bandeira. Mastro de madeira sustentava um pavilhão retangular de 4 x 3m, faixa preta superior vermelha em baixo, sem desenhos porque sempre fui discreto. Para quebrar a Legra passei fita isolante alternada vermelha e preta no mastro, porque nunca admiti outras cores em nosso escudo. Ganhei músculos conduzindo, desfraldando e balançando aquele símbolo durante uns 6 anos. Ia sozinho pro campo, a pé pelas Luas do bairro, ouvindo ‘n’ buzinadas que começaram a me ensinar o que era o verdadeiro orgulho.

Na arquibancada, ficava meio isolado no 2º anel, no corredor junto à grade, pra poder movimentar melhor a bandeira na entrada do time, nos gols que a gente fazia e na saída, ganhasse ou perdesse. Tinha outros caras fazendo o mesmo, tenteando encher o estádio na base do sacode no pavilhão. Minha bandeira era linda. Eu a considerava uma extensão do meu coração.

No meu prédio foi trabalhar um porteiro chamado João. João levava num braço um rádio do tamanho de uma TV e no outro uma gamela cheia de amendoim torrado pra vender durante o jogo lá dentro. Começamos a ir juntos pros jogos, chegávamos lá e ele ia trabalhar, nos encontrávamos na volta.

-“E aí, João, vendeu muito hoje?” – João não respondia, porque quando o Atlético fazia gol ele jogava tudo pra cima, sempre saindo no preju. Mas o que ele queria era ver o Atlético ganhar, amendoim era pretexto pra patroa dele não encher o saco de ele ir aos jogos, além do mais ele não pagava ingresso pra entrar. Cansei de ver João saindo chorando de campo quando o Atlético perdia. Não pelos amendoins derramados, mas pelas derrotas.

Seis anos assim. Depois veio a faculdade, trabalho e tudo mais. Eu era feliz e não sabia.

Hoje, hoje eu penso quantos Joões deixam de ir ao estádio por não terem condições de pagar ingresso. Quantos Josés deixam de ir ao estádio por não terem condições de levarem seus pequenos rebentos juntos. Quantas Marias de Atenas ficam felizes por seus maridos ficarem em casa ao pé do rádio, é claro sem pay-per-view. Quantos filhos de Franciscos contam na escola pública que são rubro-negros mas escondem que nunca puderam ir a campo.

Aí me vem à cabeça quantos litros de uísque 12 anos tomam os dirigentes da FIFA nos camarotes refrigerados, blindados e insulfilmados mundo afora dentro dos estádios durante os jogos. Penso qual o nível de consciência que eles possuem para ter banido as gerais dos estádios mundo adentro. Qual o nível de educação que eles tiveram para segregar gente menos favorecida socialmente, a mesma gente que torce e ama seus Clubes da mesma forma afetiva daqueles que possuem a feliz condição de ser um sócio-torcedor. Aí eu repito que todos eles dizimaram o sócio não torcedor, em nome da elitização do Futebol. Um espaço onde antigamente vibrava um legítimo corpo social, hoje serve a uma só casta. E dizem que isso é modernidade, profissionalismo, atividade empresarial. Alteridade, zero.

Tantos outros motivos me afastaram do campo. Mas tem um principal. Desde aquela época, religiosamente, toda vez que o time entra em campo, meus olhos se enchem de lágrimas. Não traduzo isso em palavras, mas é um mar de sentimentos que me invade, num misto de lembranças, ausências e presenças, uma compilação de passado e futuro naquele momento presente, que me corta a alma sem dor, mas com bastante orgulho, identificação, quero dizer: amor.

Hoje não tenho mais a minha linda bandeira. Porque não é possível andar por aí com uma bandeira daquelas. Não há espaço nas ruas nem no estádio. Portanto, me fiz de alquimista e a transformei num sentimento, bem guardado no coração, levando-a comigo aonde for. Um sentimento como aqueles pelo meu pai, meu avô, meus tios, meus amigos, meu Atlético. De todos tenho saudade. De todos sinto orgulho. Por todos tenho respeito. E por todos eles manifesto aqui meu amor.

Cada vez que o time entra em campo, a bandeira em mim se agita. São os meus parentes do passado fazendo “le le-le-ô” no presente. Por isso não vou a campo. Meu coração quase cinquentenário pode não aguentar e me levar daqui, eu querendo ficar. Ficar porque tenho coisas pra fazer. Quando não puder fazer, então sonhar. Sonhar com uma geral depois da Copa, depois que a FIFA for embora. Sonhar com uma cidade mais justa. Sonhar com uma mídia honesta. Sonhar com governantes mais públicos. Um Judiciário humano. Uma sociedade mais ética. Enfim, sonhar com uma nova “bandeira”.

Porque não há diferença entre as minhas lágrimas e as lágrimas do porteiro João. Elas vêm do mesmo lugar, rolam pelo mesmo sentimento e não faz sentido segregar. Não podemos deixar que a sensação de propriedade tome conta de nossas vidas, prevalecendo a desigualdade social, o interesse privado sobre o público.

Quem sabe um dia, depois da Copa, arranquem as cadeiras do anel térreo e façam uma geral. Quem sabe não existam mais lugares marcados e a gente possa atravessar a arquibancada e encontrar mais amigos. Comer pães com bife, acenar e tomar cerveja nos intervalos. Quem sabe mais pessoas possam vivenciar o amor pelo Clube Atlético Paranaense. Digo, hastear suas bandeiras. Valores…

Cadê as outras histórias sobre bandeiras?

P. S.: Dedico esta ‘coluna’ ao Amigo Rafael Lemos, barbaridade de colunista, roteirista, ensaísta, novelista, anarquista, somosista, surfista (de Ligeirinho), passista (da Sapolândia), petraglista e que se caga de medo de Dentista (ele que disse uma vez), e meu mestre há tempos, embora a gente (incluindo os João) sinta afetivamente o Atlético exatamente igual, sem precisar enxergá-lo. Sujeito raro em nossa sociedade, desses que se preocupam com aquele algo mais do humanismo, que muita gente nem faz ideia o que deva ser. Grandes homens chocam a mulherada. Igualmente, seu feioso!

“Quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples.” – Manuel BANDEIRA



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