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13 set 2012 - 15h17

Tributo a Ronaldo Lobo Mello

O Atlético é muito mais do que a nossa limitada consciência racionalmente humana possa reconhecer. Ser Atleticano é algo cuja dimensão sequer podemos imaginar, posto que nossa educação formal não nos ensina para além dos limites da matéria, o que nos faz compreender pouco sobre as coisas transcendentais. Os esotéricos sabem muito bem do que estou falando.

Ser Atleticano, é uma coisa que requer um motivo, uma causa, não necessariamente uma etiologia, embora certas vezes isso mexa delicadamente com a nossa saúde, principalmente a nível cardiológico. Assim, cada um tem seu por quê. Geralmente, são razões profundas, pretéritas, que nos remetem às tenras fases da vida ou ao tempo em que sonhávamos em mudar o mundo, hoje dormente nas mãos dos agentes públicos.

E esse motivo que carregamos conosco pela estrada afora, fez nascer em nós uma verdadeira identidade. Esta, por sua vez, revela-se através de nossas palavras, conversas, roupas, bandeiras, cores e tudo mais que nos represente, ao manifestarmos externamente aquilo que sentimos por dentro.

Assim, estabelecemos vínculo com outras pessoas afins, ou seja, gente que nutre o mesmo sentimento que o nosso. E repito que ainda não temos noção do alcance do que seja “ser Atleticano”. Uma espécie de elo, comunhão, sentimento de Nação e tantos outros sinônimos que a nossa bela língua portuguesa possa nos oferecer. Aos treze anos, fiquei órfão de pai. Mas eu havia de continuar o meu Atleticanismo. Foi então que comecei a ir aos jogos com meu tio, Ronaldo Lobo Mello.

Ronaldo era um cara ligeiramente revoltado. A seu tempo, era moda os pais internarem os filhos em ‘educandários religiosos’, vendo-os a cada 2, 4 ou 6 meses. Ronaldo fora enviado por Alípio (seu pai = meu avô, o 1º ponta-esquerda do CAP/1924) – mais por pressão de sua mãe – para um desses internatos, até o dia em que pulou o muro e dali escafedeu-se, aos 14 anos. A práxis da ordenação religiosa da época o desestimulara a estudar. Tentou a carreira como ponta no extinto Juventus. Mas dava muita porrada e vivia sendo expulso, até que um dia se machucou sério – aos 18 estourou um joelho – e teve que largar os gramados.Tornou-se taxista profissional.

Ronaldo odiava árbitros que roubassem do Atlético. Certa feita, quando jovem, no Joaquim Américo, pulou junto com seu irmão Gilberto para bater num juizinho canalha que estava nos assaltando: seu irmão conseguiu dar uma rasteira no raposo e foi se esconder no vestiário. Ronaldo ficou engatado pela calça no alambrado, sendo retirado pela Polícia.

Ronaldo odiava gols perdidos pelos nossos jogadores. Ficava nervoso e macetava o primeiro que estivesse mais próximo: eu, claro. Mas ele era tão Atleticano que um sábado à tarde passou lá em casa e disse:

– “Dado, vamo pro jogo.”
– “Mas o Trétis não joga hoje, tio!”
– “Só que a gente vai no Belfort Duarte secar o Coxa contra o Inter, entendeu ou não sobrinho lazarento?”
– “Nem a pau! Nunca na minha vida irei assistir um jogo deles!”
– “Você ainda não entendeu: a gente vai e pronto!”

Ficamos atrás do gol do Jairo, no 1º anel, se é que pinico tem anel. O Inter só atacava, na pressão. Aí o Claudiomiro veio correndo e deu um chutaço, fez chuá no cantinho e eu pulei de pé gritando alto:

– “Eu falei que ia ser gol!!” – depois da kgada, quando os caras em volta começaram a se mexer pra iniciar o meu extermínio, Ronaldo saltou:
– “Que nada, fui eu que te disse que esse goleiro não podia jogar hoje! Fora Jairo, põe o reserva!” – nem se sabia o nome do reserva…

Como os coxas não são tão inteligentes assim, acomodaram-se novamente no chão de cimento frio e odoro (tá certo Rafa?), com um olho de desconfiança em mim e outro na vitória do Inter naquela tarde. Secamos, deu certo apesar do risco.

Noutra oportunidade, no mesmo local mas em mando de jogo nosso, a arbitragem chegou ao cúmulo da ignorância, tempo em que não tínhamos representatividade alguma, década de 70. Encarnei a Fabiana Murer (que ainda nem tinha nascido), fiz um apoio com meu bandeirão e tentei invadir o campo pra matar o bandeirinha. Minha calça não ficou presa no alambrado, mas parei por causa de um pastor alemão que ficou me esperando do lado de dentro. Eu diria que não fui adiante porque também gosto de animais.

Passou o tempo, vieram o trabalho, as famílias, as mulheres, os filhos, enfim, os compromissos. Depois veio o sócio-torcedor, os lugares marcados e a obrigatoriedade de ficar ali. Na sequencia veio a TV, o pay-per-view e os JustinTvs internéticos da vida. Não fomos mais a campo, juntos. O tempo passou e eu estourei a segunda vez o mesmo joelho, fiz revisão (operei os 2) mas foi uma cirurgia de hérnia de disco L5 que me fez largar o futebol aos 41 anos.

Ronaldo foi mais que meu tio. Foi pai, avô e irmão. Me ensinou sobre futebol. Me explicou porque os coxas não prestavam e por que é que a gente é diferente. Durante décadas, cultivamos nosso Atleticanismo juntos. Quando a família se reunia, enchiam o saco da gente porque a gente só falava no Atlético, imediatamente depois do bom dia. Falando nisso, beijava meu tio no rosto até ontem. Valores e respeito que são raros de se ver hoje em dia. Ronaldo foi mais do que parente, porque ele foi meu amigo.

Hoje, às duas da manhã o céu ficou mais vermelho e preto. Ele levou na bagagem 10 gols dos dois últimos jogos, saldo de 9: subiu feliz. Agora ele vai assistir aos jogos de camarote. Em sua homenagem, extensiva a meu avô e ao meu pai, voltarei ano que vem ao estádio. Não sei onde eles estão hoje, mas certeza que estarão por lá. Iremos nos reencontrar tio, pode crer.

Aos Facebooksons da vida que comentam que eu só escrevo nos maus momentos do Atlético ou para contar histórias tristes, eu respondo antecipadamente. No primeiro caso, eu me revolto porque em meu conceito o Atlético é inimaginavelmente maior do que tudo e minha indignação temporária encontra fundamento nos meus textos. No segundo, digo que um homem digno deve fazer valer os seus valores, seja quais forem. Confesso que os meus não são hodiernos, mas deles tenho orgulho, apesar de pagar caro por isso em certos momentos, coisas de integridade pra não dizer virtude.

Apelo: voltemos a campo, porque só a gente sabe por que a gente não deve ficar em casa. Não deixemos que as conjunturas a vida, a modernidade tecnológica ou as distâncias artificiosas que socialmente inventamos nos afastem de nossas origens. Emoções são para serem vividas. Resgatemos nossa identidade, na refazenda de nossos elos, não importando se vez em quando algum de nós se vá. Antes que a gente transcenda até os camarotes. Lá deve ser legal, mas com certeza não tem cerveja. Porque a lei, a lei é eminentemente terrena, ou seja, é coisa dos homens, e não das pessoas humanas.

– ‘Ah, pare, Dado!!’ – gritava Ronaldo quando eu reclamava que o Lazinho demorava pra cruzar…

Abraços à Dalva, Gerson, Nelson e suas respectivas famílias. Como dizia Dona Minelvina, sua sogra:

– ‘Dá-lhe, dá-lhe ô, Reinardo!’

[AUSÊNCIA

“Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque a ausência assimilada,
ninguém a rouba mais de mim.”] – Carlos Drummond de Andrade

ps: apareceu outro Facejackson e disse:
– ‘Pô meu, você fala demais.’
Respondo:
– ‘É que eu sinto demais. Quem não sente, que vá pro Shopping! Veja vitrines, enquanto eu espero aviões…’



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