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27 nov 2012 - 11h08

O dia em que eu conheci o meu pai

Em 1985, o tênis da moda entre a gurizada era o All Star cano alto. Todo piá tinha de ter um, sob pena de valer menos. Produto da moda sempre custa mais. Pedi um par aos meus pais e fiquei esperando. Certa tarde, ao voltar do Colégio Positivo Jr., pago a peso de ouro pelo meu pai, havia sobre minha cama uma sacola de plástico, dentro dela uma caixa onde havia um par de tênis diferente do pedido. Fiquei brabo. ‘Não vou usar essa bosta! Meus amigos vão rir de mim! Esse tênis é feio, essa marca é brega, não vou usar esse lixo. Eu pedi um par de All Star cano alto (na verdade eu ordenei!). Será que vocês não entendem a diferença entre um All Star e esse negócio ridículo que vocês compraram?

Meus pais se entreolharam. Ficaram tristes. Nem tentaram contra-argumentar nada. Botaram os tênis na caixa, a caixa na sacola, a sacola sobre o sofá. ‘Amanhã a gente troca pelo All Star, Rafa!’. ‘Acho bom mesmo!’ – repliquei como se fosse merecedor da troca, e não de um belo tapa no meio da cara.

Noutro dia, ao voltar do Colégio, havia sobre minha cama outra sacola de plástico, dentro dela outra caixa, agora com os tênis ‘certos’. O par custou seguramente o dobro do que o comprado na véspera. ‘Valeu, pai! Obrigado, mãe! Agora, sim, um tênis decente!’.

Entusiasmado, passei os cordões, de ilhós em ilhós, à moda dos paraquedistas (um tipo de amarração aprendido com meu primo recém saído à época do NPOR). Calcei os tênis, fui até a sala onde meus pais assistiam ao telejornal. Perguntei ao meu pai: ‘No teu tempo de criança você tinha um desses, pai?’. Ele me respondeu: ‘Quando criança, eu nem sequer tinha tênis. Nem eu, nem os teus tios. Na tua idade, eu já tinha perdido o meu pai. Tua avó ficou viúva aos 35 anos, com 8 filhos pra criar. Se não nos faltou comida é porque ela trabalhava como professora no Grupo e porque meus irmãos mais velhos tinham ido à luta. Eu, na tua idade, já trabalhava, varrendo um armazém lá em Antonina. Mas deixe ver os teus tênis: bonitos hein? Você tinha razão: perto dos tênis que eu e tua mãe havíamos comprado ontem esse par é muito melhor, o outro par era muito simplezinho, você estava certo’.

Ao terminar de falar, os olhos do meu pai se encheram de lágrimas. Eu nunca tinha visto o meu pai com os olhos cheios de lágrimas. ‘Que foi, pai?’. Minha mãe interferiu: ‘Vai brincar, Rafa. Teu pai quando fala dessas coisas fica triste! Já passa. Vai brincar!’

E foi exigindo de meu pai os tênis caros que eu descobri que nele habitava – órfão de pai – um menino que na infância nem sequer tinha calçados. E foi exigindo de meu pai os tênis caros que eu fiz chorar nele um menino descalço e humilhado.

E foi preciso que meu pai tivesse diante de mim um átimo de fraqueza (na verdade não de fraqueza, mas de pura expressão de sentimentos), para eu descobrir o quanto ele era forte, pois, até aquele momento, eu nem sequer supunha que o homem que me dava – a duras penas – uma infância rica tinha vivido uma infância pobre e de privações. Ali eu descobri que meu pai, além das mãos fortes de homem, tinha um coração de menino. E quem tem coração sofre; sofre tanto quanto vive; vive sofrendo em silêncio; porque homem não chora(exceto por um átimo de fraqueza, ou de livre expressão de sentimentos).

Naquele dia eu, enfim, conheci todo o meu pai (as pessoas parecem uma, mas são tantas…).

Muitos de vocês que me leem não me conhecem. Muitos devem achar – e estão errados – que eu sou um intelectual, um escritor. Bobagem. Minha verdadeira face é a de um cara gozador, metido a fazer piada com tudo e com todos. Às vezes arranco um riso, na maioria das vezes os amigos riem de mim – e não comigo, e não para mim. Riem para não perder o amigo. Sou um sujeito comum, bem burrinho, que só sei falar do Atlético e se o assunto se aprofundar me afogo nessas águas abissais da nossa História. Nem me atrevo a falar de táticas, eis que não saberia ao certo dizer qual a diferença entre o primeiro e o segundo volantes. Sou um piadista, um palhaço amador, um engraçadinho.

Dentre as minhas gracinhas está o fato de dizer que o Petraglia é meu pai. No começo ele dizia: ‘RL, filho feio não tem pai!’. Hoje, resignado, ele não diz mais nada. Mas a brincadeira ficou e há uns malucos que dizem que eu sou filho do Petraglia, pois, segundo eles, há até semelhança física (o que é uma bobagem pois somos completamente diferentes, inclusive no quesito conta bancária, por incrível que lhes pareça).

Brincadeiras a parte, eu tenho um carinho de filho pelo Petraglia, uma profunda admiração e quando estou com ele escuto muito mais do que falo no afã de aprender as coisas sobre futebol, vida, política e negócios.

Mas antes de conhecê-lo, eu achava que o Petraglia deveria ser infalível, frio, perfeito em tudo, poderoso, cercado de guarda-costas, inacessível e poliglota. Na minha imaginação, ele não deveria sorrir, nem suar, nem falar palavrões. Deveria fumar charutos cubanos, se alimentar de comidas caras e exóticas e tomar vinho francês no jantar, este servido por mordomos ingleses.

Mas ao conhecê-lo, vi que o Petraglia comia feijoada na mesma mesa que eu e, lá pelas tantas, cutucava o meu braço fazendo o convite de ir uma vez mais ao bufê pegar mais uma boa porção da iguaria. Vi que ele tomava sorvete; falava palavrão igual a gente; ficava puto quando o Atlético perdia; chamava os coxas de ervilhas e depois morria de rir; botava o neto mais novo no colo e fazia cócegas no piá para o delírio da criança que se contorcia em risadas; ouvia com atenção tudo o que a nossa turma falava; ficava preocupado quando um amigo caía doente; ajudava quem precisava de emprego; e nunca pedia nada em troca.

Em pouco tempo de convívio, o Petraglia passou a ser mais um entre nós (do CAP4EVER e depois CAPGIGANTE), tamanha a naturalidade de seus gestos e a franqueza de suas palavras. E a gente enfim pôde conhecer todo o Mario Celso Petraglia (o empresário, o dirigente, o amigo, o avô, o frasista e – sobretudo – o Atleticano Mario Celso Petraglia).

No último sábado, as câmeras flagraram um Petraglia nervoso e angustiado com seu Furacão. Flagraram o Petraglia torcedor, tendo a pressão medida, torcendo pra que o jogo acabasse e o Atlético Paranaense enfim voltasse ao seu lugar de direito.

Foi preciso o Petraglia ter, diante de milhares de Atleticanos, um átimo de fraqueza (na verdade não de fraqueza, mas de pura expressão de sentimentos), para os milhares de Atleticanos descobrissem o quanto ele é humano, o quanto ele é frágil, o quanto ele é forte e o quanto é Atleticano, pois, até aquele momento, muitos nem sequer supunham que o homem que nos dá – a duras penas – o Atlético Total e este Atlético Gigante também é feito de carne, de ossos, de alma e de um coração Rubro-Negro que mal cabe dentro do peito. No último sábado, muitos de vocês, enfim, conheceram o meu ‘pai’ Petraglia!

Foi exigindo de meu pai os tênis caros que eu descobri que nele habitava – órfão de pai – um menino que na infância nem sequer tinha calçados. Foi exigindo de meu pai os tênis caros que eu fiz chorar nele um menino descalço. Foi preciso que meu pai tivesse diante de mim um átimo de fraqueza (pura expressão de sentimentos), para eu descobrir o quanto ele era forte, pois, até aquele dia de 1985, eu nem sequer supunha que o homem que me dava – a duras penas – uma infância rica tinha vivido uma infância pobre e de privações. Ali eu descobri que meu pai, além das mãos fortes de homem, tinha um coração de menino.

Foi preciso o Petraglia aparecer angustiado diante de milhares de Atleticanos para que muitos destes enfim descobrissem o que a gente do CAP4EVER/CAPGIGANTE já sabe há tempos: o Petraglia traz o Clube Atlético Paranaense gravado a fogo no coração. E quem tem coração sofre; sofre tanto quanto vive; vive sofrendo em silêncio; porque homem não chora (exceto por um átimo de fraqueza, ou de livre expressão de sentimentos, como no último sábado, nas arquibancadas do Janguito Malucelli e por todos os cantos deste Planeta, quando o Petraglia, eu, você e todos nós, Atleticano, fomos levados aos limites da emoção em nome do nosso amor incondicional pelo Atlético).



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