Pra afastar todos os medos
Sob um céu azul escuro, quase azul marinho, estavam as duas equipes perfiladas na Vila Capanema.
No único jogo que estas duas equipes disputaram, no mesmo estádio, vitória dos botafoguenses por 1 x 0, em 1968.
Naquela época, o Atlético havia montado um timaço para a disputa do Torneio Roberto Gomes Pedrosa,o Robertão, que equivalia ao campeonato brasileiro dos dias de hoje. Mas perdeu para uma equipe que tinha todos os jogadores de linha na seleção brasileira (Rogério-Gérson-Roberto-Jairzinho-Paulo César) e que seria a base da seleção tri-campeã de 1970 junto com o Santos, que foi o campeão do Robertão 1968.
Também me passou pela cabeça uma triste tarde de domingo de 2006 na Arena, uma goleada alvinegra por 5 x 0 que nem seria bom lembrar, mas que vinha na minha mente ali.
O Botafogo, líder na rodada anterior, veio com seu time completo, posando de favorito. Lado a lado, comparei as duas equipes: o Botafogo fisicamente muito forte, com jogadores muito altos, o Atlético com jogadores de menor estatura, um time mais leve.
O céu escuro, o passado, a goleada, a liderança, um adversário forte e experiente, a desconfiança….Com a casa cheia e com a torcida exaltada parecia o cenário perfeito para um anti-clímax. O medo rondava.
Começa o jogo e o Atlético vai pra cima encurralando seu rival. Alterna boas jogadas com boa troca de passes pelo lado esquerdo com Botelho, Everton e Dellatorre e na direita utilizando a velocidade de Éderson. Também vem pelo meio com o trabalho cerebral do Paulo Baier, com liberdade para criar e que para isso conta com a proteção dada pelos dois volantes, Bruno Silva e João Paulo, marcadores implacáveis.
Pelo alto os zagueiros do Botafogo tiravam todas. Timidamente tentaram ir à frente, mas sem maior perigo. No único lance mais perigoso do Botafogo no primeiro tempo vi a cabeça do Luiz Alberto interceptar uma bola que ia para o gol. O Atlético com muita velocidade trocava passes e chegava no gol, mas faltava melhor pontaria. João Paulo tirou tinta da trave, uma cabeçada do Éderson foi bem defendida pelo Jefferson, Paulo Baier arriscou sem muita força, Dellatorre por milímetros não colocou uma bola no canto esquerdo do gol.
No segundo tempo, sem dar chance do Botafogo respirar o Atlético vai pra cima novamente e numa jogada corajosa do Dellatorre, Éderson, com oportunismo faz o gol e passados alguns minutos num contra-ataque mortal o artilheiro amplia.
Nessa hora a Vila foi incendiada pela torcida e o Atlético mesmo com os 2 x 0 dividia todas com garra, com raiva.O Botafogo jogava tudo o que sabia, trocava passes, tabelava mas a defesa atleticana espanava todas. Mesmo nas bolas que o Weverton batia roupa os zagueiros atentos tiravam a bola.
Mesmo com a certeza da vitória, os minutos finais foram dramáticos. Cada dividida, cada chutão pro lado, eram comemorados como se fossem um gol.
O resultado foi mais do que merecido, sem qualquer crítica à arbitragem ou coisa do gênero, tanto é que o próprio Oswaldo de Oliveira, em entrevista após o jogo, reconheceu a qualidade do Atlético.
O Atlético taticamente foi perfeito. A defesa nem de longe lembra aquela peneira dos tempos do sr. Drubscky. O meio campo, pegador com Bruno Silva e João Paulo, incansáveis. Na frente, o futebol do Everton melhora a cada dia e Éderson está provando o seu oportunismo com um aproveitamento impressionante para quem não tem o status de titular. Logo no início mostrou seu cartão de visitas à zaga do Botafogo, numa jogada em altíssima velocidade que por pouco não termina no gol. Paulo Baier, o que dizer? a velha categoria de sempre, ganhando o duelo particular de veteranos contra Seedorf.
Me deu a impressão que se houvesse mais 90 minutos o Atlético correria igual e o Botafogo pararia de vez em campo.
Sob o comando de Vagner Mancini o Atlético voltou ser um time de futebol competitivo. Um onze bem escalado, sem invenções, bem armado taticamente e com uma pegada e um entrosamento que faz tempo não se via. Mancini conseguiu encaixar um time, posicionando o melhor jogador nas posições devidas e quando substitui o faz com inteligência e precisão.
Parabéns à diretoria que soube na hora certa fazer a mudança do comando técnico e trazer um treinador que está dando padrão de jogo e consistência ao time. Desde os primeiros resultados, a partir do empate sem gols contra o Paysandu em Belém pela Copa do Brasil, já dava pra sentir que ele iria operar uma transformação no time. A sua imagem no site oficial, comandando treinamentos debaixo de chuva, me deu a certeza que o Atlético não seria mais o mesmo dali em diante.
Além do trabalho sério do técnico, temos que destacar a raça e a humildade desse grupo, que faz de cada jogo uma decisão e que mesmo estando já em quarto lugar sabe das dificuldades do campeonato e como disse o Bruno Silva após o jogo, a equipe tem de somar pontos para não ser ameaçada pelo rebaixamento antes de mais nada. Perfeito.
O resultado desse trabalho é visível: uma coleção de vitórias indiscutíveis numa ascensão inimaginável para quem estava na ZR há algumas semanas atrás.
Se alguém ainda tinha dúvida do potencial e da capacidade de realização desse time tudo ficou esclarecido ontem: ganhou com categoria de um dos melhores times do Brasil e crava seu lugar no G4 de onde será difícil tirá-lo.
E outra: percebam que a maioria dos times têm jogadores lesionados, jogam desfalcadas, cansam no segundo tempo, enquanto o Atlético voa o jogo todo. Efeito da extensa pré-temporada? Algo a se pensar para pessoas que, como eu, acharam que essa pré-temporada não serviu pra nada.
Com esse trabalho sério, humildade e com o apoio da torcida como ontem, o Atlético dificilmente será batido em Curitiba, e conquistando pontos fora certamente será um candidato ao título, algo que nem passava pela cabeça de qualquer torcedor após as primeiras exibições no campeonato.
Seriedade, humildade, garra. Pra afastar todos os medos.