23 dez 2011 - 3h06

Com a palavra, o capitão

Cinco de dezembro de 2011. O dia marcado para a entrevista não poderia ser pior. Na véspera, o Atlético havia sacramentado sua queda à segunda divisão do futebol brasileiro, mesmo vencendo o Coritiba, na última rodada. “Fiquei muito chateado, bem triste mesmo. Assisti ao jogo com meus filhos e chorei com eles, ainda mais sabendo de tudo o que fiz para o Atlético ter sido Campeão Brasileiro”.

As opiniões sinceras e sem falsa modéstia são de Nem, zagueiro e capitão do time que conquistou o Brasil em 2001. Muito além de vestir a braçadeira, entregar a flâmula ao adversário ou escolher entre cara ou coroa, ele foi o porta-voz do grupo naquela campanha e também desempenhou a função de líbero como poucos na época, com boa noção de cobertura, antecipação, desarme, posicionamento perfeito, visão de jogo e liderança. E no dia 23 de dezembro, coube a Nem a honra de executar o gesto que mais causa inveja nos adversários: levantar a taça de campeão, o troféu mais importante de todos os 87 anos do Clube Atlético Paranaense.

Demonstrando muita personalidade dentro e fora de campo, Nem foi o xerifão do Furacão em 2001, aquele jogador que colocava a bola embaixo do braço e chamava a responsabilidade para si nos momentos mais difíceis daquela campanha. Desde a sua chegada ao Atlético, em janeiro daquele ano, vindo do São Paulo, Nem mostrou a qualidade que a torcida rubro-negra mais admira até hoje: a raça – a mesma que, por vezes, ultrapassou o seu próprio controle e acabou o deixando de fora de várias partidas. Além disso, Nem exemplificava a vontade de ganhar, acima de qualquer sacrifício. “Quando vim para o Atlético prometi o título brasileiro e consegui. Taxaram o nosso time de violento, de cavalo paraguaio, mas agora quem vai dar a volta olímpica somos nós”, desabafou o capitão no dia da conquista do título, ainda no gramado do Anacleto Campanella. Horas mais tarde, na comemoração do título perante a um mar vermelho e preto de torcedores na Arena da Baixada, Nem levou os atleticanos ao delírio ao cantar o famoso “Atirei o pau nos coxas”.

O capitão da equipe campeã ficou pouco tempo no Atlético. Foi levado por Geninho para o Atlético Mineiro, mas não se firmou. Em 2004, foi contratado pelo Sporting Braga, onde teve destaque e ficou até 2007. Ainda passou pelo Paraná Clube, CRB, Marcílio Dias e Trieste, seu último clube. Em maio desse ano, ainda se arriscou como técnico do São José na divisão de acesso do Campeonato Paranaense.

Em entrevista exclusiva à Furacao.com, o capitão destacou a união da equipe em prol do título, num ano em que tem, até hoje, “como um dos melhores anos de sua vida”.

Qual é a sua melhor recordação do título de 2001?
A melhor que tenho é o grupo. O grupo era muito unido, a maioria dos jogadores tinha um só pensamento, que era colocar o Atlético como campeão brasileiro aquele ano. O que mais ficou marcado foi a união do grupo, e isso foi fundamental para o time ganhar aquele título. A gente vinha de derrotas, aí depois que chegou o Geninho, o grupo se fechou e conquistamos o título.

Você era o capitão do time. Quem eram os outros líderes daquele elenco, que te ajudavam no dia a dia?
A gente não tinha um capitão. Nós tínhamos 25 capitães. Claro que eu entrava com a braçadeira, mas pra mim não representava praticamente nada, porque cada coisa que a gente fazia naquele momento era em prol do grupo. O Geninho sempre frisou isso nas palestras e dizia que o Atlético não teria um só capitão, todo mundo ia opinar, tinha sua parcela, ia se dedicar ao Atlético e foi assim o ano inteiro.

       

Você sempre foi um atleta muito polêmico. Em entrevistas à imprensa, sempre provocava os rivais, como os coxas. Aquilo era sincero ou fazia uma média com o torcedor?
Era sincero. E não só no Atlético. Quando fui jogar no Galo, fomos jogar contra o Cruzeiro e fazia quatro anos que o Atlético-MG não ganhava. Falei na imprensa que os atleticanos podiam comemorar antes que a gente ia ganhar. E ganhamos de 4 a 0. Aí você pode imaginar a confusão que foi na cidade. Aqui não foi diferente. Fomos campeões em 2001, o Coritiba já tinha sido, e naquele momento vi a oportunidade do torcedor se manifestar da melhor forma possível. Não tenho nada contra o Coritiba e seus torcedores, mas na época estava defendendo o Atlético. No time que eu defendo vai ser sempre assim.

Quando o Mário Sérgio deixou o time, ele acusou os jogadores de estarem abusando das noitadas. Até que ponto isso é verdade? Ele discutiu essa questão com o elenco?
Não houve isso. Houve isso depois que eu saí do Atlético. Ficamos 15 dias concentrados, quando ganhamos do Fluminense, saiu que a gente estava fazendo festa e estávamos presos. O Mário começou com aquela conversa de que ”se a gente não acabasse com a noite, a noite acabava com o Atlético”. E foi comigo isso. Até depois fui com o Flávio e o Souza no hotel onde ele estava e falamos pra ele voltar pro Atlético, já que ele tinha pedido pra ir embora. Falei que eu saía, sempre saí e continuaria saindo, mas se ele quisesse voltar, tudo bem. Ele não quis voltar e o Atlético trouxe o Geninho e conseguimos o objetivo de ser campeões.

O time mudou a forma de jogar do Mário Sérgio para o Geninho?
Foi difícil. Eu já tinha trabalhado em 2000 com o Geninho, no Paraná, quando fomos campeões, além dele ter sido meu treinador no Botafogo-SP, quando eu tinha 17 anos. Aí ele chegou, sentou comigo e perguntou se tinha esse negócio de noite, farra e bebedeira. Falei que ninguém fazia nada demais do que ele já sabia. Disse que tinha o grupo que saía e o grupo que não saía, como em todo clube tem. Ele perguntou: “Mas porque então estamos perdendo”? Respondi que não tínhamos padrão de jogo e organização. Aí ele conversou com todos, não mudamos a forma de trabalhar e entramos de cabeça no trabalho dele. Reuni o grupo, falei como o Geninho queria que agíssemos e seguimos juntos. Tecnicamente e taticamente não mudou muito. No final agradecemos o Mário, mas acho que na hora que começamos a perder, aquela sequência ruim, a torcida começou a gritar algumas coisas, acho que ele se perdeu, falou que a gente não ia ganhar de ninguém. E pelo contrário, a gente sabia que ia dar certo.

Qual foi o grande segredo daquele time para chegar ao título?
Além da nossa união foi todos saberem que ninguém era conhecido no país. Apesar de eu ter vindo do São Paulo, o Alex em alguns lugares, não tinha nenhum jogador estrela. A verdade é essa, ninguém conhecia o Kleberson, Gabiru, Alessandro e outros, e deu muito certo por causa disso. Trouxemos o Souza, do Corinthians, um cara consciente, que foi fundamental para o grupo. Aí juntou o pessoal que ninguém conhecia, mas que queria ser conhecido, além de outros que sabiam que poderiam mostrar seu potencial.

Teve algum momento específico em que você pensou que o time não ia apenas fazer uma boa campanha, mas ia efetivamente ser campeã?
Foi quando nos reunimos para jogar as oitavas de final. Passamos uma ou duas semanas fora daqui, ganhamos do Santa Cruz, Ponte Preta, empatamos com o Inter e na chegada vimos que tínhamos nos classificado. Aí nós, jogadores, nos reunimos no CT, sem a comissão técnica e sem o Geninho. Falamos que a aquele era o momento de nos unirmos e mostrarmos que podíamos ser campeões. Foi perguntado a cada jogador se concordava ou não com os 30 dias presos no CT em prol do título. E nenhum negou. Todos ficaram, sem sair pra nada, fazendo o que tinha que fazer, mas lá dentro, pra que ninguém ficasse sabendo. Aí falei para o Geninho: “Pode sair dizendo que seremos campeões”.

Qual foi o momento mais difícil daquela campanha?
Foi nessa transição do Mário Sérgio para o Geninho porque o primeiro começou a divulgar muita coisa, que a gente saía e bebia muito, que fazíamos farra e isso é ruim. Aí juntamos os mais experientes e decidimos assumir a responsabilidade sem não a coisa ia desandar. Foi aí que fui nos jornais e falei que eu sim saía, nos responsabilizamos, mas não é isso que estava acontecendo e a coisa ia mudar. E aconteceu.

Comenta-se que no segundo jogo da final, o Geninho reuniu todos os jogadores no vestiário e entregou uma faixa de campeão a cada um, dizendo que vocês já eram campeões e só faltava confirmar isso em campo. Isso é verdade? Como foi a preleção do último jogo da final?
Na preleção ele falou que a gente já tinha feito demais. Ele, como profissional, disse que a gente já tinha feito tudo o que nós poderíamos ter feito. Ninguém acreditava na gente, no Atlético. Tinha grandes times como São Paulo e o Fluminense, mas ninguém imaginava que o Atlético fosse campeão naquele ano. Na preleção, ele disse que o que acontecesse dali pra frente estava bom demais. Aí o Flávio disse que o time não estava contente, que ia sim ser campeão. Todos nos abraçamos, pegamos a faixa e naquele momento colocamos, antes do jogo. Chegando de ônibus em São Caetano, passamos por uma rua onde tinha um trio elétrico enorme na frente da cidade com uma faixa dizendo que o São Caetano era o primeiro time do século XXI a ganhar um título brasileiro. Aí naquela hora, tiramos a camisa, começamos a pular e gritar, todo mundo ansioso. Pra mim, o aquecimento foi ali no ônibus, não no vestiário. Foi naquele momento que ganhamos.

Como foi a premiação dos jogadores pela conquista do título? Foi acertada a cada jogo ou por metas?
Foi a cada jogo. Como eram quatro jogos, chamamos o Petraglia e colocamos que seria por jogo, até porque a gente não sabia se seríamos campeões. Ele dava um valor X pra gente passar a cada fase e uma quantia à parte para dividirmos entre a gente, sem contar o prêmio, que ficaria comigo. Fizemos muita coisa com esse prêmio, que ninguém sabe e vai continuar sem saber. Mas ajudamos muita gente também. Foram 36 jogadores, mais a comissão técnica, funcionários do CT e da Baixada. Os prêmios foram divididos iguais entre os jogadores, até para quem tinha subido pro profissional ou não tinha jogado. Tanto que naquele ano subiu Rodriguinho, Dagoberto, Daniel e todos receberam de forma igual.

Você sofreu algumas lesões ao longo daquele campeonato. Como foi enfrentar essa dificuldade?
Não sofri lesões. Colocavam isso porque eu nunca gostei de treinar, era tudo mentira. Tinha isso de “machucado” porque eu não ia treinar. Mas chegava na hora do jogo, me transformava e jogava, nunca tive problemas com isso. Na maioria das vezes subia para o campo, me sentia cansado, não treinava, mas no dia do jogo resolvia. Se não era eu era outro, falavam que estava machucado e descansava. E não adiantava que ninguém ficasse bravo com isso, no outro dia era outro na mesma situação. A gente se poupava para se doar no jogo. E é o que eu acho que tem que acontecer, hoje em dia a maioria dos jovens treina mais do que joga. Os jogadores treinam a semana toda, aí chega no jogo já cansado.

O que representou o titulo na carreira e na vida?
Foi meu maior título. Ganhei alguns com o São Paulo, como a Recopa e a Conmebol, mas conquistar um Campeonato Brasileiro ainda mais da forma como foi, é inesquecível. Tudo aconteceu de bom para mim naquele ano. Tenho 2001 como um dos melhores anos da minha vida. Até hoje me param na rua. Por incrível que pareça, tem muita gente que gosta de mim, principalmente os verdadeiros atleticanos. Não é fácil ser campeão. O verdadeiro atleticano sabe o quanto gosto desse clube, o quanto já me coloquei à disposição para ajudar em qualquer ocasião.

Como vocês lidavam com o descrédito da imprensa do eixo?
Em 2001 a gente não lia jornal. Escutávamos muito pouco a imprensa. A de São Paulo nem se fala. Eu particularmente sempre briguei com eles lá, desde quando joguei pelo São Paulo, tem muito jornalista lá que não gosta de mim. As mesmas coisas que eu fazia aqui, eu fiz lá. Mas jogando no São Paulo eles não aceitavam, mas sempre mostrei que dá para jogar futebol e viver ao mesmo tempo. Fui campeão lá e aqui e nunca parei de viver a minha vida. Abdiquei de muita coisa na minha vida, mas sempre fiz o que quis, corri atrás e tenho a maioria dos títulos.

Qual foi a importância da Arena e da torcida nos jogos decisivos?
Foi fundamental. Se você perguntar aos 25 jogadores daquela campanha, ou para qualquer um que passou no Atlético até hoje, vão sempre dizer que a torcida é o fator principal. Você olhar a Arena lotada, como sempre vimos, é emocionante, todo mundo gritando e vibrante. Tenho o dvd de 2001, até hoje vejo e sempre me emociono muito. Tudo que o Atlético tem hoje é a sua torcida. Lembro quando gente empatou um jogo contra o Inter em Porto Alegre (4 a 4), dois dias depois fomos jogar contra o Santa Cruz em Recife, num calor de 32 graus, e ganhamos de 5 a 1. Foi ali que começou tudo. Foi ali que nós falamos: “Agora ninguém segura mais a gente”.

E a importância dos outros integrantes da comissão técnica e funcionários do CT e da Arena na motivação do grupo durante a campanha?
Na comissão tinha o Ricardo Pinto, o Ridênio, o Riva e o Eudes, que pra mim foi um cara que vou levar comigo pro resto da vida como companheiro, pois era o único que me aguentava. O Riva não me aguentava. A gente é amigo, mas ele sempre gostou muito de trabalhar e eu nunca gostei de treinar, nunca tive muita disposição para treinar. Mas aí o Eudes me puxava para trabalhar com ele, dizia ao Riva que eu ia ficar bem. A comissão técnica foi fundamental, assim como os funcionários do CT e da Arena. Eles sempre gravavam mensagens pra gente e na preleção o Geninho colocava os vídeos, com essas pessoas pedindo para ganharmos. Você via as cozinheiras, camareiras, motoristas, roupeiros, todos. Era mostrado um por um dando a sua palavra de incentivo. A gente já saía dali preparado. O Geninho disse: “Não tenho mais nada para falar a vocês, eles já falaram”. E com aquele dinheiro que a gente ganhava do Petraglia fora do combinado ajudamos muita gente de dentro e de fora, como hospitais e maternidades, ou seja, quem precisasse.

Como era o convívio com o Gustavo e o Rogério Corrêa, que junto com você formaram a defesa campeã?
Quando o Geninho decidiu por esse esquema de jogo com três zagueiros, chegamos a um consenso que eu era o mais lento e também já tinha jogado como volante no início da minha carreira e conseguiria sair jogando com a bola. Aí o Geninho reuniu nós três e falou que formaríamos a zaga. Ele disse que tínhamos o Igor e o Daniel, mas que nós três iríamos jogar, caso não estivéssemos machucados ou suspensos. Aí ele disse: “Quero que vocês se unam. Os dois (Gustavo e Rogério) vão ter que correr pro Nem. Ou concordam ou não vai dar certo”. E eu falei que não era um velocista, que se eles marcassem e a bola sobrasse, eu conseguiria reter a bola e sair jogando mais rápido. E assim a gente começou a treinar, sempre quando acabava o treino ficávamos nós três treinando vários tipos de jogadas. Aí no segundo jogo o Geninho disse: “É isso mesmo”. Nessa época eles já me chamavam de velhinho e felizmente tudo deu certo.



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