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24 nov 2013 - 16h17

Terra prometida

Vinte e quatro de novembro de mil novecentos e noventa e seis. Uma noite em que eu não consegui dormir. Dois dias antes, o sr. Meu Pai, numa partida de futebol suíço com os colegas de Banestado, rodou sozinho em cima do próprio joelho. Fraturas, ligamentos rompidos, enfim, aquela coisa toda. No banco de trás, enquanto a Sra. Minha Mãe conduzia o atleta destroçado ao hospital, já começava a me embrulhar o estômago aquela maldita ideia. Ideia esta que, num dado momento, converteu-se em choro. Muito choro na sala do hospital. Eles – meus pais – tentaram me relaxar em vão com um “calma, vai passar; o pai vai ficar bem”. Mas, com todo o respeito devido ao Sr. Meu Pai, o seu joelho não me preocupava. O que realmente me assombrava era a possibilidade de ter adiado, por mais algumas semanas, ou meses, aquele momento mágico.

Mas, por sorte, lá estava a disposição materna. A Sra. Minha Mãe, num domingo de tempo feio, tomou coragem a fim de encarar, comigo, tal universo animalesco – ideia que, frise-se, ela nutre até hoje. Um ou dois ônibus, não me lembro. Fato é que, um pouco depois do almoço, lá estávamos nós, pelas ruas do Água Verde, rumo ao tantas vezes sonhado, imaginado, vislumbrado naquele intelecto infantil, Estádio Joaquim Américo. Há quem diga que um portão nos aguarda, quando passamos dessa para uma melhor. E que somente os escolhidos lhe ultrapassam. Não sei se será o meu caso, se estarei, algum dia, apto a fazê-lo. Mas sei, no entanto, que aos 5 anos, me senti, de fato, abençoado. Talvez despojado do merecimento devido, mas então erroneamente ungido num batismo que mudou minha vida para sempre: o paraíso sob o meu alcance.

Ainda que nunca tenha faltado religiosidade ortodoxa ali dentro, há quem diga que entidades das mais variadas são invocadas, invocam-se e invocam a outrem em dia de jogo. Um inferno dantesco, a panela do diabo cantada por Nova e Seixas, não sei. E numa espécie de refinado cinismo, em meio a esta efervescência toda, brotam, de tempos em tempos, verdadeiros ícones ecumênicos. Ziquita, o nosso milagreiro mor, e Santo Alex Mineiro, que escreveu seu próprio evangelho em menos de 1 mês, estão aí para não me deixar mentir. Aquele dia perdemos o jogo por 2 a 1 (numa resposta de gentleman aos bárbaros das Laranjeiras), meu ídolo Oséas passou em branco e, mesmo assim, a malária transbordava em cânticos e gritos de guerra, nas arquibancadas de cimento. Perdemos o jogo e tá todo mundo feliz? Pobre de mim, não estava entendendo nada. Mas, nas palavras do também Rubro-Negro Leminski, “Para Que Por Que?” O deleite afastava a necessidade de qualquer explicação pormenorizada. A benção (ou maldição?) se fazia completa.

Ao confundir alhos com bugalhos, muitos ousam em desprezar o poder do futebol. “Pão e circo”, cifras surreais, a violência gratuita. Argumentos não faltam aos seus combatentes. Estes mesmos, entretanto, esquecem que, ao falar do esporte em questão, estão também tratando de uma das mais genuínas expressões culturais da história do nosso povo. E não há extrato melhor do dito futebol, a fim de retratar a sua significância social, do que o romantismo de outrora. E foi deste romantismo, hoje rarefeito, que pude provar, diretamente da fonte, ainda pequeno. O estádio de estrutura acanhada alimentado por uma torcida, apaixonada e apaixonante, fez brotar daquele pedaço de chão uma mística nunca misericordiosa ao inimigo, e ao mesmo tempo fundamental à história do Clube Atlético Paranaense. E a partir do momento que lhe é estendida a oportunidade de participar deste espetáculo, pela primeira vez, funciona mais ou menos como a compra do bilhete único. De ida.

Passam-se dezoito anos.

Confesso que não venho dormindo bem. Somente por força do cansaço é que o sono, volta e meia, consegue me vencer. E isso tudo porque, a mim, mais uma vez, foi incumbida missão de grande responsabilidade. As gerações passadas foram talhadas nas dificuldades e no amor incondicional pela nossa camisa. Não por menos, o sangue forte é, acima de tudo, um legado. Sei que comigo, daqui a 3 dias, estarão milhares e milhares de corações atleticanos, muitos dos quais hoje habitantes de outros planos espirituais, e que sequer ousariam sonhar com mais esta jornada utópica. A fina flor da loucura, cuja semente fora caprichosamente disseminada junto à terra da Velha Baixada, agora luta para ramificar, quem diria, noutro templo do esporte bretão: o do Jornalista Mário Filho.



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